Organizando o caos...

tipo: Documentos
publicado em: 01 de maio de 2001
por: Raphael Mandarino Jr.
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Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Acredito que todos nós que pertencemos a esta tribo chamada internautas, sejamos neo-usuários ou webssauros, temos ainda, em menor ou maior grau, a esperança romântica de que a Internet trará de volta a democracia plena, na melhor das tradições gregas, ao permitir a participação universal e igualitária de todas as raças, credos e culturas e com isso eliminando as fronteiras, as barreiras sociais, culturais, políticas, econômicas e até, quem sabe, as religiosas.

Paradoxalmente, mantemos ainda a certeza de que a Grande Rede é a tradução mais concreta do movimento anárquico, permitindo o exercício da rebeldia sadia, do não conformismo, do social pleno, sem que seja possível ser direcionado por qualquer forma de governabilidade.

Todos nós queremos ainda acreditar que a Web é o primeiro e único local onde verdadeiramente a liberdade individual é inerente, não precisando ser conquistada a cada dia e está ali para ser usada, quando dela se quiser fazer uso.

Todos ainda buscamos crer que participar desta grande teia é quase de graça e que ela será tão difundida e com suas ramificações estruturadas de forma tão caóticas que será impossível dominá-la, subjugá-la.

Sonhar é bom. Tenho sido o chato de plantão há algum tempo apregoando que os tempos românticos da Internet acabaram. Muitas provas, ou indícios se assim preferirem, podem ser detectados. Vamos a alguns:

Os nomes de domínios que a princípio - não vamos esquecer - foram criados para facilitar a vida dos usuários, liberando-os de referenciar complicados códigos de endereços IPs, tornaram-se o negócio mais rentável e isento de riscos da Internet. Estamos vendo a Verisign, como noticiado aqui mesmo no TCInet, abrir mão de controlar o registro de domínios sob o ".net" e ."org", para manter a exclusividade sobre o ".com", o mais rentável, e ainda se comprometendo a investir 200 milhões de dólares em pesquisas. Ela não está fazendo isso movida por sentimentos de generosidade e sim, pressionada por deter sob monopólio os domínios genéricos, (atenção "empresários" estou falando de domínio genérico e não de domínio de país). Por isso, entregou de forma escalonada os anéis menos preciosos de sua coleção para que se possa ter um início de concorrência.

Um detalhe adicional na divulgação da notícia vale como mais um indício de que as coisas não são bem como parecem ou são divulgadas. O ICANN foi criado para ser o fórum internacional, democrático, de caráter privado para a gestão dos destinos da Internet mundial. Mas essa decisão sobre o ".net" e o ".org", que já havia sido tomada por seu board, teve que ser aprovada pelo Departamento de Comércio Americano. Por quê? Porque na verdade a ICANN - criação do governo americano - ainda funciona como uma "experiência". Não que seus membros não sejam independentes - ao contrário. A independência de seus membros, principalmente aqueles eleitos e não escolhidos, é que faz o Departamento de Comércio ficar com o pé atrás. Aliás, existe uma discussão interessante "rolando" na ICANN - se deve continuar ou não existindo esse negócio de eleição de membros "at-large". Sintomático, não?

No Brasil a mina de ouro dos domínios foi descoberta. Ora são "empresários" que declaram em toda e qualquer oportunidade a sua "desinteressada" intenção de "colaborar" nos registros de domínios sob o ".br" ou são instituições "educacionais" querendo "desinteressadamente" registrar 200 domínios diretamente sob o ".br" (Aliás, as denúncias sobre as decisões, digamos assim..., esquisitas do Conselho Federal de Educação já estão na pauta do dia e penso que se o Ministério Público não estiver sobrecarregado com Painéis, Apagão, Rãs, Câmbio, etc, essas denúncias serão investigadas e nisso as tais "instituições educacionais" no papel cairão também no seu crivo). Muito já se falou a respeito. Eu mesmo tratei do assunto aqui na coluna que teve até direto a réplica de um desses "empresários". Como visto, estamos falando em grana alta ao abordar o assunto registro de domínios. Por isso todo o cuidado é pouco.

Outro fato curioso foi a criação da Câmara Brasileira de Comércio Eletrônico no último 7 de maio. Nada contra a sua criação, pelo contrário, acho que todos devem buscar seu espaço e o melhor caminho é a sociedade civil organizada. Respeito as pessoas que participaram da criação e aos que foram honrados em ser escolhidos para a primeira diretoria, desejo boa sorte. Mas digo curioso por um aspecto que me chamou a atenção: a forma da organização e o seu mote que, salvo melhor juízo, me pareceram uma estrutura nos molde da chamada velha economia, a tal "cimento e tijolo" - empresários se juntam para defender o seu. A tal democracia e interatividade que é apregoada como a grande magia da Internet vale até o bolso, depois....

Vale lembrar que neste assunto o governo saiu na frente (aliás, com relação à Internet tem estado sempre à frente) criando um grande e representativo Comitê Gestor para Comércio Eletrônico. Quem tiver interessado, dê uma olhada na página do Ministério da Indústria e Comércio ( www.mdic.gov.br ) .

Não podemos falar em democracia na Internet sem falarmos em democratização de acesso. Temos um projeto nacional de inclusão digital que é muito bom, temos dinheiro para implantá-lo, temos vontade política. Temos como produto símbolo desse projeto aquele que está sendo chamado pelo errado nome de micro popular. E temos até concorrência: saúdo o lançamento do ECO, Estação Comunitária On-line, pela Microsoft Brasil, que é uma plataforma para dispositivos dedicados de acesso à Internet com uma arquitetura baseada no sistema operacional Windows CE. Atende-se a todos os gostos, Unix ou Windows, sem querer levantar polêmicas...mas para nós, usuários, quanto mais opção, melhor!

Pois é, tudo muito bem. Só não entendo por que uma medida bem mais simples, que já seria um bom passo na busca da democratização do acesso, não sai. Estou me referindo ao projeto 0i00, que será (espero) em uma tradução simples, uma espécie de 0800 da Internet. Todos as linhas telefônicas dedicadas ao provimentos de acesso utilizarão esse prefixo. Isso facilitaria a vida de quem mora no interior e não tem provedor local. Em síntese tornaria qualquer ligação para esse prefixo uma chamada local, não importando se o provedor está na cidade ou no outro extremo do Brasil. Tecnicamente o projeto é ótimo, ajuda a diferenciar o tráfico de dados do de voz, mas adivinha quem está contra? Quem não quer perder receita. Reconheço o esforço que a Anatel está fazendo pelo projeto, mas está faltando um pouco de pulso!

Por falar em Anatel, tenho uma curiosidade: para prover acesso discado, as operadoras de telefonia e backbone devem constituir uma nova empresa. E para prover serviço de hospedagem de sites e gerenciar portais comerciais não precisa?

Por esses indícios, e por vários outros aspectos que a experiência pessoal de cada um de vocês agrega a esse assunto, é que volto a perguntar: não está na hora de pararmos e pensarmos um pouco o que queremos como usuários da Internet? Será que essa nova economia, essa revolução nos usos e costumes que a Internet está proporcionando, deve continuar acontecendo à revelia de quem paga a conta? Não está na hora de nós, usuários, buscarmos ter uma entidade forte? Com vocês as respostas!

Não poderia encerrar sem colocar algo que me incomoda muito. Há algum tempo começou a circular uma idéia de que se alguém tem um domínio .com ou .net ou ".org" tem um domínio único e aberto ao mundo. O raciocínio, torto aqui, é de que um domínio genérico, sem a terminação de país, já tornaria por si só a página internacional. Ora, um site só é internacional se ele tem conteúdo que desperte interesse em outros povos, se está traduzido na língua de quem se quer atingir etc. Não é a terminação que o faz conhecido. A única coisa que tenho certeza é que o domínio que não leva o ".br" foi adquirido e armazenado fora do país e foi transacionado em dólar.

Sei que estou comprando briga, mas vamos a exemplos desta prática, lá vai: globo.com por conta da rima "com você", segundo explicam, mas será que quem decidiu sabia que o .com representa entidade ou empresa comercial, enfim, dinheiro? Ou foi por isso mesmo? Sampa.org, site que é ligado a um partido político popular, não deveria ter orgulho de ser brasileiro e tacar o ".br"? Ou será que como usar o ccTLD de Cuba não pega bem no Brasil capitularam perante o grande Imperialista. E, finalmente, uma câmara brasileira sem ".br" é brasileira mesmo?