O terceiro milênio

tipo: Documentos
publicado em: 01 de janeiro de 2001
por: Raphael Mandarino Jr.
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Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Hoje é o dia 31 de dezembro de 2000. Agora são 13h08. Faltam, portanto, menos de 11 horas para a passagem do ano, do século e do milênio. Sei que do ponto de vista lógico, isso não quer dizer muita coisa, afinal datas e calendários nada mais são do que simples manipulações dos poderosos de plantão, que arbitrariamente atribuíram importância a esta ou aquela data ou a este ou aquele dia, marcando-os como início ou fim de mês ou de ano.

Algumas civilizações já ultrapassaram o século "L" - século cinqüenta para aqueles que não se lembram dos números romanos - ou já comemoraram a chegada do quinto milênio... Seja como for, sou ocidental e cristão. Portanto, estou prestes a entrar em um novo milênio, o terceiro, e me deixo levar pelo clima festivo.

Preparando-me para a data, resolvi marcar esta passagem com um ato, ao mesmo tempo esperançoso e pretensioso, enterrando, no jardim da minha casa, uma série de mensagens e objetos para serem recuperados daqui a um século. Esperançoso, portanto, porque acredito que daqui a cem anos alguém se preocupe em desenterrar, ler e conhecer as mensagens que deixamos (minha família e amigos entraram no clima). Pretensioso, porque, penso que o que selecionei possa ser interessante daqui a tanto tempo.

Mas o que isso tem a ver com esta coluna?

Nada, e tudo! Nada porque uma esquisitice pessoal não deve ser de interesse de ninguém. Tudo, porque alguns itens dizem respeito à tecnologia e são símbolos do que espero encontrar no futuro.

Nestes 27 anos de profissional de informática, já vi muitas empresas grandes ou pequenas surgirem e desaparecerem. Dentre as sobreviventes, algumas são fortes e seguem ditando tecnologia, outras vão apenas sobrevivendo.

Vi também artigos e muita propaganda a respeito de conceitos e produtos inovadores como a memória de bolha, a tecnologia push, as DB machines e o chamado sistema R - para ficar em poucos exemplos - serem cantados como a essência da própria evolução tecnológica que com o passar do tempo viraram pó. Entretanto, idéias como a do clipe ou do palito de fósforo permanecem atuais e não desapareceram nem com a evolução tecnológica advinda do "post-it" ou do isqueiro.

Assim, enterrei - palavra horrível, reformulando - deixei para a posteridade (pretensão), devidamente acondicionados, entre cartas, fotos, vídeos domésticos, exemplares de periódicos, moedas, e outras bugigangas, alguns itens que pudessem representar as tecnologias de informática e comunicações.

Selecionei, dentre a minha coleção particular de obsolescência - todo usuário de TICs tem a sua -, como representantes do segmento software, um sistema operacional e um pacote de aplicativos integrados, ambos ainda na caixa original, com manuais e mídia: um com disquetes 5 1/4" e outro com 3,5", além de seus contratos de licença de uso e certificados de garantia - não quero ter problemas com pirataria nem daqui a cem anos.

Representando o segmento hardware de comunicações, deixei um celular, o primeiro que tive em 1993, em perfeito estado de conservação e funcionamento, junto com seu carregador e baterias. Quanto ao hardware de informática, meu primeiro pensamento foi deixar um PC, mas fui convencido a desistir quando me lembraram do tamanho do buraco que teria que cavar. Preferi então deixar um velho Palm PC em perfeito estado, seu manual e as pilhas alcalinas que o fazem funcionar (esperança que agüentem carregadas todo este tempo).

Escolher representantes para os segmentos serviços e Internet foi um pouco mais difícil. Deixei então para representar estes dois segmentos uma série de CDs contendo softwares de acesso e navegação e um disquete com manual de regras de uma saudosa BBS. Deixei, também, CDs de provedores de acesso, recomendando que não utilizem alguns sem os devidos cuidados, pois mexiam em toda a configuração de nossas máquinas e destacava outros, como um dos meus atuais provedores de acesso, pela qualidade e seriedade do trabalho.

Meio por saudosismo e procurando representar o segmento de suprimentos, coloquei no meio duas fitas magnéticas de 2.400 pés. Contendo, na primeira, o IMS 40 versão 5.0 de 1978 - bisavô dos softwares básicos de banco de dados e, na outra, uma série de programas de sort, balance-line, e "bacalhaus" desenvolvidos por mim em Cobol ou Assembler, lá pelos idos de 70.

Como toda seleção, esta foi completamente arbitrária e seus itens estão longe de ter a concordância universal. Portanto, alguém pode pensar: que bando de velharias! É verdade. Todos os produtos estão obsoletos em nossa concepção, mas foram ou representam símbolos de pioneirismo em seus segmentos.

Ao remeter para o futuro, algo hoje obsoleto, faço isso com a expectativa pessoal de ter identificado no passado algo que terá continuidade e faça sentido no século seguinte, sendo mais que uma simples curiosidade. Claro que não estou afirmando que estes produtos estarão em uso naquela época, mas sim que serão vistos, então, como os precursores, a tecnologia mãe (ou bisavó), dos produtos que lá estarão em uso.

Assim, penso que os produtos que coloquei no pacote estarão, em essência, vivos e em utilização no próximo século. Acredito que os conceitos da mobilidade do celular e miniaturização dos processadores estarão fundidos em um só hardware e serão apresentados nos mais variados modelos, contendo softwares básicos e aplicativos integrados e/ou independentes que serão responsáveis por gerenciar uma série de funções para as mais diversas utilizações, por exemplo:

É perfeitamente factível imaginar que os óculos no futuro combinarão aqueles conceitos e terão outras funções além da correção de deficiências oftalmológicas que devem ser superadas por outros meios. Serão telas nas quais receberemos as mais diversas informações visuais, serão capazes de filmar e fotografar e reproduzir imagens, conterão funções que permitam expandir de nossa capacidade de visão, permitindo zooms, visão noturna, detecção de metais e explosivos, identificação de rostos e ambientes.

É possível, também, imaginar os mesmos conceitos presentes em nossas roupas que serão provavelmente tecidas com microfibras óticas, e serão capazes, por si só, de detectarem mudanças nas condições climáticas e de ambientes, adaptando-se quanto à forma, cor e textura requeridas em cada caso.

Os conceitos estarão presentes ainda nos móveis e eletrodomésticos (ou será autômatos domésticos), permitindo de fato que a tal casa inteligente possa existir.

Se imaginarmos tudo isso alimentado por baterias eternas e ecologicamente corretas (energia solar talvez ou alguma função vital) e tendo a capacidade inerente de interligação, podemos prever que existirão empresas que prestarão serviços de provimento destas conexões.

Pessoalmente, acredito que, neste cenário, o sucesso econômico estará mais próximo daqueles que conseguirem assegurar o provimento de segurança e privacidade das informações.

Sinto-me meio inconseqüente em fazer estas previsões, não porque não acredite nelas, mas por não estar mais aqui quando elas forem conferidas. Então, para dormir tranqüilo e me assegurar dos agradecimentos de meus descendentes em qualquer situação, incluí no "kit" tecnológico que remeti para o futuro um lápis, uma borracha, uma caixa de clipes e outra de fósforos. Quem sabe....