O ajuste à realidade

tipo: Documentos
publicado em: 01 de fevereiro de 2001
por: Raphael Mandarino Jr.
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Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Inicia-se o ano e, com a preguiça típica desta época, as coisas começam a acontecer. Para nós, usuários, alguns dos acontecimentos nos dizem respeito mais de perto. Refiro-me, por exemplo, ao refluxo da maré de provimento grátis. Parece que a onda agora se vira contra nós e o acesso grátis está condenado a desaparecer mais dia menos dia, para tristeza e prejuízo dos internautas.

Não é bem assim. Para começar, nunca é demais repetir que o provimento de acesso é a menor parte dos custos de uma conexão Internet, mantendo-se ainda como principal vilão as tarifas telefônicas. Mas é um alívio nos bolsos a conexão de acesso grátis, principalmente para quem tem filhos adolescentes - principais usuários de provedores grátis.

Mas este mercado não irá acabar. Findo o período de euforia, onde mesmo quem não dispunha de infra-estrutura e recursos para bancar sua entrada e manutenção neste nicho iniciou sua operação, o que estamos assistindo agora é a depuração do mercado, ajustando-se a realidade: não cabe todo mundo. Quebradeiras, fusões e novos rumos de empresas já fazem parte da realidade histórica da Internet em nosso país e no mundo.

E por falar em mundo é que afirmo que este nicho não se encerra. Em outros países este problema já foi enfrentado ou o seu desenho, já em sua implantação, se deu com outros contornos. O mais famoso "case" é da Inglaterra, onde os provedores de acesso são vistos pelas empresas telefônicas como parceiros que geram aumento no número de impulsos - verdadeira fonte de recurso das teles. Eles são remunerados tendo por base o tempo de conexão de seus usuários. Aqui, esta solução vem sendo perseguida pelos provedores e as empresas telefônicas resistem, de olho elas mesmas no filão.

O fato é que, com provedores independentes ou ligados às concessionárias (a Lei Geral de Telecomunicações sabiamente proíbe as empresas concessionárias de atuarem diretamente neste mercado, obrigando-as a criar subsidiárias para tanto, garantindo assim a transparência na alocação e distribuição da infra-estrutura), o provimento grátis não irá desaparecer mas sim se reestruturar.

Ainda neste assunto, vale lembrar que não deixa de ser curioso olhar as declarações dos executivos do iG, que queria dizer Internet Grátis (é bom que não esqueçamos), à época do lançamento, onde prometiam o "nirvana" ao usuário, e comparar com a brilhante propaganda de agora, pós-capitulação, apregoando a Internet Paga - o IP do IG -:>)))).

Outro acontecimento para o qual chamo a atenção é a ultimação dos editais do FUST - Fundo de Universalização das Telecomunicações, criado com o objetivo de levar pontos de presença eletrônicos a todas as localidades brasileiras. Após um longo período de discussão (que, do ponto de vista técnico, de como vai ser implementada estas conexões, ainda não acabou) ficou decidido que escolas, hospitais e bibliotecas públicas terão prioridades na instalação desta conexões. Muito nos ufanamos ao nos depararmos com números como o de oito milhões de internautas brasileiros, mas se pensarmos bem, isso representa cerca de cinco porcento da população brasileira.

O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação, na pessoa de seu Ministro declarou recentemente que em 2003 seremos 35 milhões de usuários. Este número está de acordo com as projeções de consultorias internacionais que o classificam como "audiência inercial" de Internet no Brasil, naquele ano. Trocando em miúdos: audiência inercial, quer dizer, se nada acontecer e mantendo-se as atuais taxas de crescimento econômico e com o decréscimo dos preços, aliados a melhor oferta dos insumos básicos (computador e linha telefônica) atingiremos aquele número de internautas daqui a três anos.

Isso é muito bom, mas é pouco, pois deixaremos de fora da chamada nova economia cerca de 130 milhões de brasileiros ou o equivalente a três vezes a população da França, por exemplo. Daqui se depreende a importância de um projeto como o do FUST, pois seu objetivo é integrar à nova economia boa parte destes "sem Internet", resgatando-lhes a cidadania e permitindo que aspirem participar da chamada Sociedade da Informação.

Resta em aberto, é claro, outras questões de fundo: educação, saúde, emprego, renda e, olhando mais próximos de nós usuários, o analfabetismo digital. Existe uma proposta construída a várias mãos por representantes da sociedade brasileira no âmbito do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação: o Programa Sociedade da Informação. Vale um passeio pelo site e a leitura de seus documentos. Este é um tema que pretendo abordar aqui com mais detalhes.

Finalmente, outro acontecimento que merece destaque é o evento "Desmistificando a Internet", realizado pela Embratel e onde, pela primeira vez, aquela empresa buscou discutir objetivamente os caminhos e suas posições na Internet no Brasil. Merece louvor a coragem da Embratel ao reunir jornalistas e formadores de opinião em um mesmo evento, apresentando a oportunidade de se discutir temas espinhosos como interconexão de backbones , pontos de troca de tráfico Internet e custos, por exemplo, permitindo um pouco de luz sobre estes assuntos. Nem tudo foram flores, mas palestrantes brilhantes, temas espinhosos tratados de frente e um ambiente de respeito mútuo foram os pontos altos do evento que, espero, seja repetido, agora buscando foco naqueles pontos em que ficaram patentes as divergências.

Ninguém mudou de opinião (eu, por exemplo, continuo achando que pagamos um dos preços de interconexão mais caros do mundo, vivemos ainda em um monopólio e não entendi a lógica perversa de venda de tráfico) mas abriu-se uma porta para o diálogo e estabeleceu-se a possibilidade do início da construção de uma ponte de confiança. Ponto para a Embratel. Parabéns!