publicado em: 07 de março de 2007
por: Henrique Faulhaber
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A decisão do Tribunal de Justiça de SP de mandar que todos os provedores de links internacionais bloqueassem o serviço do YouTube.com por causa de um vídeo com a modelo Daniela Cicarelli foi logo revogada, pois logo se percebeu o absurdo de bloquear totalmente o acesso a um site por causa de um único conteúdo considerado ofensivo.
Não defendemos que a Internet seja um território sem leis, em que os direitos de imagem e de propriedade intelectual sejam desrespeitados, mas bloquear inteiramente um serviço por não conseguir, por outros meios, tirar o material ofensivo do ar é um ato de extrema gravidade que prejudica os usuários da Internet brasileira coletivamente.
Embora o YouTube seja um serviço de entretenimento, criado esse precedente nada impede que um
site
de notícias, ou de uma empresa, seja retirado do ar por medida judicial, causando - ai sim - prejuízos sérios à liberdade de expressão e às próprias relações econômicas.
O Comitê Gestor da Internet no Brasil, que é o órgão responsável pelas recomendações e diretrizes para desenvolvimento da Internet no Brasil sequer foi consultado pela justiça antes que a decisão judicial fosse tomada. O Desembargador amparou-se em um parecer de um perito judicial que afirmou que “é muito fácil bloquear serviços na Internet localizados no exterior, bastando para isso, oficiar as poucas empresas brasileiras que provêem acesso à Internet no exterior a bloquear o endereço desejado”.
Amparado na aparente facilidade de bloquear informações indesejadas na Internet, o Desembargador ordenou que as operadoras Brasil Telecom, Embratel, Telefônica e outras, impedissem o acesso dos brasileiros ao endereço do YouTube e, por alguns dias, vários internautas brasileiros não conseguiram acessar o serviço.
Esse episódio deixa algumas lições, e suscita alguns temas para serem discutidos:
A Internet, embora muito recente, tornou-se muito importante para a sociedade. Por isso, é preciso se discutir os temas relacionados aos crimes praticados na Internet, para que não se tente cercear completamente a Internet no intuito de coibir práticas indesejadas que, eventualmente, venham a ser realizadas por seu intermédio.
O poder judiciário precisa consultar o Comitê Gestor da Internet sobre as implicações de medidas que venha a tomar na defesa dos direitos de quem a procura.
Os provedores de conteúdo no Brasil e no exterior precisam estar preparados para responder com presteza a ordens judiciais relacionadas à retirada de conteúdo indesejados em seus sites (material envolvendo pedofilia, pirataria, racismo, violação de direito de imagem, difamação, etc).
Dada a natureza dinâmica da Internet, não é possível controlar todo o tempo, em todos os países, o conteúdo divulgado, mas os maiores portais no Brasil e no exterior precisam estar atentos às decisões judiciais de seus países e também às reclamações vindas de outros países, pois a veiculação de conteúdos inapropriados pode potencialmente gerar prejuízos (multas ou outras ações) que afetem negativamente os seus negócios. Esta é uma conseqüência da importância econômica da Internet que não pode ser mais negligenciada.
Existem meios técnicos de fazer uma vigilância pró-ativa de conteúdos publicados na Internet através de técnicas de mineração de textos, áudio e vídeo. Estas tecnologias estão disponíveis em produtos comerciais e são amplamente pesquisadas pela comunidade acadêmica. É altamente recomendável que os portais adotem estas tecnologias para retirar do ar o conteúdo claramente indesejável, antes de notificados pela justiça.
É necessária uma discussão séria sobre a regulamentação de crimes e abusos relacionados à Internet no Brasil, observando a experiência internacional nessas matérias. O CGI.br contratou especialistas e preparou uma sugestão de projeto de lei para o combate ao spam, a exemplo das melhores experiências de outros países. O mesmo deve ser feito para os crimes de invasão de redes de computadores, privacidade de dados e responsabilidade de provedores de conteúdo.
As futuras regulamentações não podem ser tão onerosas a ponto de prejudicar provedores de acesso e conteúdo, prejudicando também a inovação, mas devem prover os mecanismos legais para que a Internet não seja uma “terra sem lei”.
Henrique Faulhaber (
hfaulhaber@cgi.br
)
Conselheiro do Comitê Gestor da Internet no Brasil
Representante do Setor de Empresas de Tecnologia, software, e serviços.
Como citar este artigo:
FAULHABER, Henrique. Lições sobre o caso YouTube x Cicarelli . Disponível em < http://www.cgi.br/publicacoes/artigos/artigo40.htm >. Acesso em (data).