publicado em: 01 de abril de 2006
por: Carlos Afonso e Luiz Fernando G. Soares
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Fonte: Pesquisa sobre o uso das Tecnologias da Informação e da Comunicação no Brasil 2005
A iniciativa do Comitê Gestor da Internet no Brasil de produzir indicadores de presença / penetração das tecnologias de informação e comunicação (TICs) no Brasil preenche uma lacuna crucial, já que nenhuma outra instituição pública ou privada vinha dando a devida importância ao tema. Até então, pesquisadores, praticantes de projetos, empreendedores e entidades governamentais tinham que se basear em estatísticas internacionais, em geral estimativas imprecisas, defasadas e incompletas, ou em dados nacionais sem o detalhamento e atualidade proporcionados por esses novos indicadores.
A gravidade das injustiças e disparidades sociais, econômicas e regionais torna ainda mais fundamental que o Brasil levante rigorosa e sistematicamente os dados de sua
realidade - em particular, os indicadores relativos às TICs são hoje componentes essenciais para uma visão abrangente de como se dá o desenvolvimento humano no país. O acesso universalizado a essas novas tecnologias, bem como a apropriação social de seu uso efetivo, são tão essenciais hoje como o são a educação e saúde públicas - e portanto requerem estratégias de políticas públicas para sua plena realização.
Reportagens e publicações recentes com base em dados da Anatel e do IBGE, entre outros, já revelam disparidades cuja perpetuação é inaceitável. Como um exemplo, a curva de expansão da infra-estrutura de telefonia celular no Brasil tornou-se horizontal pouco depois de a cobertura alcançar metade dos 5560 municípios. Mais de 2.440 municípios em 2006 permanecem sem serviço local de telefonia celular. Nesses municípios há mais de 21 milhões de habitantes e, segundo as operadoras, se depender do mercado, estes brasileiros e brasileiras estarão condenados a nunca ter acesso ao serviço. No caso dos celulares, a estimativa é de que essas áreas agregariam “apenas” 1,4 milhões de novos usuários aos 88 milhões já existentes, não justificando o investimento.
Coincidentemente, são cerca de 2.430 os municípios brasileiros que não contam com acesso local à Internet – o que significa que as pessoas têm que fazer uma chamada
interurbana para conseguir utilizar a rede. Os números são similares, já que pelos mesmos argumentos as operadoras não instalam extensões de suas espinhas dorsais Internet nesses municípios.
Em resumo, pelo desejo das empresas de telecomunicações e de Internet, mais de 20 milhões de brasileiros estão e continuarão excluídos do acesso aos serviços que a telefonia celular e a Internet podem oferecer - serviços hoje essenciais, incluindo o acesso às crescentes facilidades de e-governo federais e estaduais, a integração de escolas e das atividades administrativas dos municípios à Internet etc. Se incluirmos as áreas empobrecidas das cidades maiores, esse número de condenados à desconexão eterna eleva-se em várias vezes (mesmo que nas áreas urbanas mais desenvolvidas haja grande abrangência da telefonia celular).
Alguns argumentam que se pode aproveitar a tecnologia de transmissão de dados atual via celulares para ampliar o acesso à rede. No entanto, o custo de conexão e utilização via celular com os padrões atuais é tão alto que somente aqueles com alto poder aquisitivo podem utilizá-lo regularmente – e estes já contam em geral com outros meios muito mais baratos de acesso, inclusive em banda larga.
Chega-se a um impasse - que alternativas existem para levar os benefícios essenciais da Internet (e com ela inclusive a telefonia mais barata via Internet) a essas populações?
Não é surpresa que a grande maioria dos municípios não atendidos esteja no Norte e Nordeste do Brasil, onde estão os estados com menor poder econômico - apesar de haver municípios sem celular inclusive em São Paulo e, em número surpreendente, no Rio Grande do Sul (onde 139 municípios, mais de 28% do total, não têm estações de rádio-base da rede celular). Segundo reportagem recente de O Globo, “os dados da Anatel mostram que, em alguns estados do Norte e do Nordeste, como Roraima, Paraíba ou Maranhão, menos de 30% dos municípios são cobertos. No Piauí, são apenas
16,59%.”
Algumas cidades buscam alternativas com seus próprios recursos e/ou mobilizando parcerias com diversos agentes, nacionais e até mesmo internacionais. Exemplos como o projeto Piraí Digital, na cidade de Piraí, Rio de Janeiro, e iniciativas de implantação de telecentros comunitários em várias cidades do país revelam que a criatividade e a busca de melhores práticas já existentes (para adaptá-las a situações locais e contornar a situação de abandono pelas concessionárias e provedores comerciais) já ocorrem em vários municípios em todas as regiões do país.
No entanto, alguns municípios são tão carentes de recursos que é preciso buscar formas de apoio envolvendo agentes externos à localidade, como é o caso da maioria dos municípios acima apontados, particularmente os do Norte e Nordeste do país.
Como ressalta estudo recente de pesquisadora do IPEA, hoje a apropriação das TICs pela totalidade da população é componente essencial para alcançar as Metas do Milênio da ONU. No entanto, apesar de ser uma prioridade do governo federal, o desafio da inclusão digital é complexo e, na escala brasileira, muito grande para que haja uma solução abrangente e centralizada.
É essencial combinar apoios dos vários governos com a iniciativa local e a “expertise” de organizações que já são conhecidas pela extensa experiência no campo. E, sobretudo,
contar com dados preciosos como os produzidos com o apoio do CGI.br para aprofundar estratégias e ações efetivas. Os dados revelam com precisão, por exemplo, que 31% das famílias brasileiras não se beneficiarão com programas de redução de preços de computadores, pelo simples fato que estas não têm nenhuma sobra em seus rendimentos para qualquer gasto adicional, seja essencial ou não. Isso aponta para a importância ainda maior de centros de acesso coletivos, como os telecentros comunitários, redes de computadores em escolas e bibliotecas públicas, entre outros, que só poderão tornar-se efetivamente abrangentes com o apoio decisivo de políticas públicas.
Apropriação das TICs: o caso da TV digital
A evolução da TV analógica para a TV digital não é marcada apenas pelo aumento da qualidade do sinal de áudio e vídeo disponibilizados, mas também pelo fornecimento
de novos serviços computacionais. Pode-se resumir as novas funcionalidades citadas como “agregar capacidade computacional à TV”. A esse computador agregado dá-se o
nome de terminal de acesso (set-top box em inglês).
A possibilidade de transmissão de dados, além do áudio e vídeo principal que compõem um programa de TV, aumenta ainda mais a importância do sistema como um meio de difusão de informações. A inclusão de um canal de retorno permitirá a interação do usuário telespectador, a navegação nos dados difundidos pela emissora e, no caso de um canal bidirecional, o acesso a informações particulares oferecidas por qualquer provedor de conteúdo na rede de retorno (por exemplo, na Internet). No caso de um canal de retorno bidirecional de banda larga, pode-se até pensar em um outro patamar de inclusão social, permitindo ao cidadão telespectador não apenas ter acesso a informações, como também prover conteúdo audiovisual que retrate sua produção cultural e realidade.
O Sistema Brasileiro de TV Digital visa a TV aberta, por difusão terrestre, e tem como um dos seus pressupostos básicos a inclusão digital. Esse propósito pode ser facilmente compreendido pelos indicadores, que revelam uma realidade nacional onde apenas 16,91% dos domicílios pesquisados têm acesso a um computador (2%, nas classes D e E) e um número ainda inferior, 10,08%, a um computador com acesso à rede Internet (0,251%, nas classes D e E). Por outro lado, o aparelho de TV se constitui no segundo eletrodoméstico de maior penetração, perdendo apenas para o fogão, estando presente em 95,7% dos domicílios pesquisados (91,12%, nas classes D e E).
A importância da TV digital aberta como meio de inclusão tem, no entanto, de ser pensada com cuidado. Um terminal de TV tem características bem diferentes de um computador: seu sistema de recepção é por difusão (broadcast); o usuário interage a partir de uma distância razoável da tela; sua assistência é agregadora; e seus dispositivos de E/S (controle remoto, etc.) são diferentes e, ainda, menos expressivos.
Como conseqüência, apenas como um exemplo, a interatividade do usuário não deverá ser tão freqüente quanto no computador. Uma navegação intensa na Web, nos moldes do que é feito hoje na Internet, seria penosa com os dispositivos atuais e, na maioria das vezes, incomodaria o restante da assistência presente. Além disso, o acesso a dados individualizados exigirá terminais de acesso mais poderosos (canal de retorno bidirecional), o que implicará em um custo mais elevado e a necessidade de uma rede de acesso, paga ou financiada, que poderiam inviabilizar o uso pelas classes que se quer incluir.
Nota-se, assim, que a TV digital interativa, dentro da realidade atual, deve ser pensada apenas como um meio complementar, embora importante, para a inclusão digital.
O custo de um terminal de acesso é um limitante forte para as classes D e E. Os indicadores mostram que essas classes não têm como arcar com nenhum encargo extra, nem para aquisição do dispositivo, nem para a manutenção de uma assinatura em uma rede de acesso. O subsídio para a classe C pode ser válido, mas não é apenas essa classe que se quer incluir.
Como citar este artigo:
AFONSO, Carlos A; SOARES, Luiz Fernando G. Desenvolvimento humano e a apropriação das TICs. In: CGI.br (Comitê Gestor da Internet no Brasil). Pesquisa sobre o uso das tecnologias da informação e da comunicação 2005 . São Paulo, 2006, pp. 27-30.