Uma Experiência Inédita de Transferência de Tecnologia e Conhecimentos: O Projeto Internet no Brasil


01 JUL 1995



Autor: Prof. Carlos J. P. de Lucena

O país se encontra hoje numa situação que talvez seja inédita na sua história. Em cerca de 600 instituições de ensino e pesquisa, uma comunidade estimada em 60 mil usuários, que se desenvolveu ao longo dos últimos 5 anos, convive rotineiramente com a tecnologia Internet e com a cultura Internet mundial, graças a sua rede acadêmica, a Rede Nacional de Pesquisa (RNP).


Inúmeras vezes no passado, a indústria e a academia no Brasil viram despontar uma tecnologia estratégica no primeiro mundo e se mobilizaram para adquirí-la ou desenvolvê-la localmente. Foi assim, por exemplo, com a tecnologia de mini-computadores na década de 70, que influenciou o nascimento de uma política específica para o setor de Informática no país. Algumas vezes os resultados foram favoráveis, mas, contabilizamos sempre, como era inevitável, uma defasagem substancial em relação aos locais de origem dessas tecnologias.

Hoje, a tecnologia estratégica que promete mudar a natureza de toda indústria, ampliar a indústria da informação de forma extremamente acelerada e mudar a própria natureza do trabalho humano é a Internet.

O Brasil vai, nos próximos meses, disponibilizar a Internet comercial para a sua comunidade empresarial esperando criar oportunidades de desenvolvimento sem precedentes para a sua economia e, muito além disso, para a sua sociedade como um todo.

A situação poderia ser, no estilo do passado, as empresas de telecomunicações estarem agora dependentes da contratação da consultoria de grupos internacionais e a comunidade acadêmica estar buscando se capacitar para formar recursos humanos para atingir o novo estágio tecnológico.

O estado atual de coisas poderia ser muito difícil para o país porque a Internet traz consigo o novo conceito de Tecnologia de Informação que amplia em muito o conceito de Informática. Na verdade, muito além de uma tecnologia, a Internet traz consigo uma cultura nova e complexa que requer alguns anos de imersão total para ser absorvida.

A tecnologia Internet chegou ao Brasil através da RNP. A RNP surgiu em 1989 e se desenvolveu graças à iniciativa da comunidade acadêmica de Ciência da Computação, que procurou uma parceria com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). A comunidade de computação estendeu a RNP para transformá-la em muito mais do que uma rede de especialistas na área . Ela dá suporte hoje a especilistas de todas as áreas do conhecimento localizados em universidades, institutos de pesquisa e organizações governamentais e não-governamentais.

Hoje, por exemplo, enquanto o empresariado toma conhecimento das imensas possibilidades da World Wide Web (WWW), preparando-se para fazer negócios através da rede, milhares de estudantes em mais de uma centena de universidades e institutos de pesquisa brasileiros sabem fazer páginas para a WWW e, principalmente, usá-las como interfaces de sistemas de informação, em geral.

A RNP possibilitou o desenvolvimento de uma substancial experiência em engenharia e operação de redes que permitiu, inclusive, adaptações criativas a situações graves de falta de recursos, tão comuns na ciência e tecnologia brasileiras.

O prêmio chega agora. A estratégia dos ministérios de Ciência e Tecnologia e das Comunicações foi convocar a RNP para atuar como indutora da rede comercial. Como tal ela será, muito proximamente, robustecida (aumento substancial da sua presença e das velocidades das suas linhas) para se transformar na primeira espinha dorsal nacional à qual se ligarão dezenas de provedores de acesso privados.

São os novos negócios de provimento de acesso e informação que deverão dar àquela população de alunos familiarizada com a tecnologia Internet, uma grande quantidade de empregos nobres. Mais ainda. Como outras espinhas dorsais nacionais deverão surgir logo após ou em paralelo com o da RNP, esta poderia voltar, no médio prazo, a se dedicar, exclusivamente, a dar suporte a atividades acadêmicas. Só que nesta fase ela seria, em retorno pelos serviços prestados, uma rede acadêmica de padrões bastante adequados.

A RNP tem muito a ensinar sobre a sua experiência em engenharia e operação de redes mas a RNP acumulou, também, uma grande experiência em como fazer chegar à comunidade acadêmica o conhecimento sobre como aplicar a tecnologia Internet às suas diversas áreas.

Chamei atenção acima para a dificuldade de levar à sociedade o novo conceito de Tecnologia da Informação trazido pela Internet e lembro a referência ao fato que a Internet traz consigo uma cultura nova e complexa que requer muitos esforços para ser absorvida.

De fato, a RNP foi, além de uma espinha dorsal, também uma organização. Da organização constavam diversos grupos de trabalho (GTs) que se ocupavam em divulgar a tecnologia Internet, usando as formas tradicionais de divulgação mas, principalmente, o expediente dos "projetos de demonstração" que exibem a viabilidade do desenvolvimento de aplicações importantes com a tecnologia Internet. Foi esta a estratégia que permitiu o crescimento muito rápido, mas fundamentado, da rede acadêmica no país.

Dissemos que a RNP foi uma espinha dorsal e uma organização porque após a criação do Comitê Gestor da Internet no Brasil pelo MCT e pelo MC, o modelo de GTs da RNP foi transferido para o Comitê Gestor. A RNP se concentrará, agora, na implantação e operação de uma espinha dorsal nacional de tráfego misto para a indução de serviços na Internet Brasil.

O modelo de GTs do Comitê Gestor, que tem agora a responsabilidade de considerar não só a espinha dorsal da RNP mas também as outras que vierem a surgir e não só a transferência de conhecimento para a comunidade acadêmica como também esta transferência para a sociedade como um todo, torna-se muito mais complexo do que era o da RNP.

Sob o Comitê Gestor atuarão cerca de 15 grupos de trabalho envolvendo mais de 100 especialistas da comunidade acadêmica, da indústria e da sociedade em geral.

Nas suas duas primeiras reuniões o Comitê Gestor já constituiu 8 GTs (vários deles originários da organização da RNP) e propôs, em versão preliminar, 6 outros. Os GTs aprovados já têm missões claramente definidas e têm definidos, cada um deles, um conjunto concreto de resultados a serem obtidos no segundo semestre de 1995.

Os GTs aprovados e definidos são os seguintes: Engenharia e Operação de Redes, Informações sobre Redes, Economia de Redes, Pesquisa e Desenvolvimento, Indução de Aplicações de Impacto Social, Apoio a Aplicações Comunitárias, Formação de Recursos Humanos e Articulação com a Sociedade.

Os GTs propostos em versão preliminar são os seguintes: Tarifas e Preços, Legislação, Orçamento e Finanças, Desenvolvimento Industrial, Relações Internacionais (em articulação com o Itamaraty) e Geração e Qualidade de Empregos (em articulação com o Ministério do Trabalho).

Das atividades muito diversificadas dos grupos de trabalho enumerados acima virão as informações que serão discutidas periodicamente nesta coluna.