O Desenvolvimento de uma Sociedade da Informação no Brasil


01 JUL 1995



Autor: Prof. Carlos J. P. de Lucena

O Brasil vive hoje um momento extremamente estimulante às vésperas do ingresso do setor empresarial e da sociedade em geral, na Internet. Um pequeno segmento da sociedade, a comunidade acadêmica, já experimentou esta sensação há cinco anos atrás e já pode hoje testemunhar que sua vida já não é mais a mesma desde então.


Antes do final do ano, várias "espinhas dorsais" de redes farão o papel de infovias federais ligando diversas cidades em diferentes estados do país. A RNP, já com velocidades muito maiores, conduzirá trafego misto (academico e comercial) através de todo o país e a Embratel e diversas empresas privadas (cerca de três até o final do ano) farão também o mesmo papel, cada qual cobrindo um conjunto diferente de capitais.

Em vários estados diferentes redes regionais estenderão os recursos da Internet a cidades do interior através de suas "espinhas dorsais" estaduais. Centenas de provedores de acesso, distribuídos por todo o país, estarão conectados à "espinha dorsal" de sua preferência e, através deles, centenas de milhares de usuários serão adicionados à pequena comunidade (de cerca de oitenta mil pessoas) de usuários predominantemente acadêmicos.

O fenômeno que se processou na comunidade acadêmica ao longo dos últimos cinco anos pode ser sintetizado da seguinte maneira: o cientista ou educador brasileiro, que está hoje fora da Internet, está privado da comunicação constante com seus colegas em todo país e no mundo e é, certamente, uma pessoa muito defasada em termos de informações sobre a sua área. Conferências nacionais e internacionais são anunciadas, organizadas e até realizadas através da rede e passaram a ocorrer com uma frequência sem precedentes e, praticamente, toda a literatura atual sobre todas as áreas do conhecimento está há algum tempo disponível na rede.

Lembrando um exemplo recente, para o congresso da Sociedade Brasileira de Computação, que foi realizado em conjunto com o mais tradicional congresso latino- americano da área, foram submetidos 300 trabalhos de, praticamente, todos os países latino-americanos (com grande predominância brasileira). Como a maioria dos trabalhos são elaborados em co-autoria, sabe-se que participaram aproximadamente 1000 autores, dos quais, apenas tres, não dispunham de endereços eletrônicos na Internet. É claro que os cerca de 200 árbitros mobilizados para o julgamento dos artigos fizeram todo o trabalho através da rede.

O trabalho cooperativo, envolvendo pesquisadores localizados em diferentes locais do país e do mundo, vem crescendo significativamente. Por exemplo: um pesquisador, que é o único de sua área em uma pequena universidade, não é mais uma pessoa isolada e pode participar da comunidade científica da sua especialidade no mundo. Se ele deseja lecionar um curso básico em sua instituição ele pode recorrer a bases de dados na World Wide Web que contêm material instrucional (textos, transparências, exercícios etc) sobre quase qualquer tipo de curso básico. E mais, este material é disponibilizado gratuitamente por colegas de todas as partes do mundo.

É apenas natural que a sociedade como um todo, a partir do momento que tiver a sua disposição a tecnologia Internet, venha a ser submetida a transformações de natureza semelhante às que ocorreram na área acadêmica. E, se a natureza das transformações têm aspectos tão positivos como os que atuaram no caso da comunidade acadêmica, é justo procurar estender os privilégios da sociedade da informação para o maior segmento possível da sociedade. Este é um desejo que está presente em todos os países que já aderiram maciçamente à tecnologia Internet, como começa a acontecer no Brasil. Neles, como aqui, começa-se a desenvolver métodos eficazes para transferir conhecimento para a sociedade sobre os benefícios da tecnologia Internet, com o objetivo de forjar uma legítima sociedade da informação.

No Brasil, à semelhança do que está sendo feito em outros países, foi criado um Comitê Gestor da Internet, que tem, dentre as suas principais atribuições, a missão de disseminar a cultura Internet na sociedade.

O Comitê Gestor da Internet no Brasil atravessa uma fase em que se dedica à composição de cerca de quinze grupos de trabalho (GTs), que serão formados por cerca de 150 pessoas, em diferentes áreas relacionadas à tecnologia Internet. Cada GT tem a missão típica de disseminar a tecnologia Internet na sua área de atuação conduzindo, para isso, projetos piloto que exibam a viabilidade e eficácia da utilização dessa tecnologia. Como é natural, dado que a Internet no mundo e no Brasil teve origem no meio universitário, o contingente de pessoas do mundo academico nos diferentes GTs será muito significativo.

Os diversos GTs surgiram de atividades tradicionais da RNP, da lista de missões especificadas para o Comitê e de iniciativas expontâneas da sociedade que passaram a demandar uma reflexão mais sistemática e uma maior estruturação. Uma classificação não muito rigorosa dos GTs concebidos até o momento permite grupa-los em GTs de engenharia de redes, GTs destinados a criar uma economia de redes e GTs destinados ao desenvolvimento dos usuários de uma sociedade da informação. No que se segue, vamos mencionar apenas o último grupo.

Os GTs que se concentram nos aspectos que poderiam ser denominados de socio-culturais atuam em aplicações estratégicas para a sociedade, no apoio a aplicações comunitárias e na articulação com a sociedade. Outros GTs, em fase de organização, se preocuparão com as relações internacionais e com a geração e a qualidade do emprego.

Três GTs cobrem as aplicações estratégicas. As aplicações contempladas até o momento estão nas áreas de educação a distância, meio ambiente e recursos naturais e bibliotecas e museus virtuais.

Exemplos de projetos piloto a serem desenvolvidos pelos GTs mencionados são a criação de um curso especializado em redes e totalmente conduzido via Internet, a indução da criação de freenets (sem custos para os usuários) pela sociedade, um sistema de informação sobre emprego nas páginas da WWW e projetos de cooperação internacional.

A expectativa é a de que os novos "internautas" brasileiros (pessoas físicas, empresas e governo) que passem a utilizar serviços Internet no futuro próximo, possam buscar inspiração para seus projetos em iniciativas pioneiras em andamento no país.