Imposição de interesses - Por que você estaria apto a ser diretor do ICANN?


01 AGO 1998



Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Época de eleições. Este é um tema que está presente na ordem do dia de cada um de nós, seja nas discussões de bar, seja no famigerado horário eleitoral. Acho que é a hora apropriada, portanto, de se falar em uma outra eleição. Uma que interessa a todos nós usuários da Web. Estou me referindo a eleição dos membros "At Large" ao "Board do ICANN". Palavrões? Vamos lá...

O ICANN - The Internet Corporation for Assigned Names and Numbers, como se sabe, é a entidade supranacional encarregada de administrar os nomes e números IP (Internet Protocol). Sua administração se dá através de uma Diretoria composta por 18 membros eleitos. Destes, 9 são eleitos por seus pares nas Organizações de suporte, a razão de 3 por Organização (DNSO - Domain Name Supporting Organization, ASO - Address Supporting Organization e PSO - Protocol Supporting Organization) e 9 por votação direta dos usuários distribuídos em 5 "zonas eleitorais": África, Ásia/Pacifico, Europa, América do Norte e América Latina e Caribe, sendo que está última nos interessa mais de perto.

Para estas próximas eleições, que ocorrerão de 1 a 10 de outubro, foram abertas 5 vagas sendo uma para cada região eleitoral. Para se habilitar a uma destas vagas, o futuro candidato poderia submeter o seu nome diretamente ao atual "Board" do ICANN, através de um e-mail, no qual, em inglês, ele deveria apresentar seu currículo, e explicar os motivos pelos quais se achava em condições de participar da Direção dessa Entidade.

O "board" através de uma Comissão especialmente nomeada para isso aprovava ou não os nomes dos pretendentes. Outro caminho era de se apresentar como candidato independente, e receber pelo menos 2% de apoio dos usuários, aptos a votar, residentes nos países de sua região, sendo ainda obrigatório receber votos de mais de um país. Trocando em miúdos, ou o pré-candidato é conhecido e respeitado no pedaço (no mundo WEB) e recebeu a aprovação daquele "Board" ou é um "cara" popular ou pelo menos, com muita "torcida".

No "colégio eleitoral" que nos interessa, foram indicados pelo "board" 3 candidatos e 2 candidataram-se como avulsos. No total, pode-se escolher dentre as 5 opções a seguir listadas na ordem que aparecem na página do ICANN (www.icann.org/nominees.html): Ivan de Moura Campos, brasileiro; Raul Echeberria, uruguaio; Cláudio Silva Menezes, brasileiro; Aluísio S. Nunes, brasileiro; Patrício Poblete, chileno.

Naquela página, podem ser encontrados os dados pessoais e curriculares de cada um dos candidatos, suas posições e plataformas. Tenho o prazer de conhecer pessoalmente 3 dos candidatos Ivan, Raul e Patrício e tenho certeza de que estaremos bem representados com qualquer um dos 3. Os outros 2 não os conheço pessoalmente, mas pela disposição de se candidatarem pressuponho que se sintam preparados. O melhor que temos a fazer, é lermos as propostas de cada um e escolhermos o que acharmos mais preparado para defender os interesses dos usuários, sejam eles pessoas físicas ou empresas da América Latina e Caribe.

O candidato deve conhecer profundamente as necessidades e as características do mercado e dos usuários Latinos Americanos e Caribenho, a começar pela língua. Nós, brasileiros, ocupamos um grande espaço nesta região, mas estamos isolados pelo idioma.

Aliás, esta divisão geográfica proposta pelo ICANN junta nesta nossa região países de pelo menos quatro idiomas distintos: português, espanhol, francês e inglês, sem considerar os dialetos. Aglomera países com estágios diversos de desenvolvimento econômico e com usos, costumes e necessidades diversas na Internet. É esta diversidade de interesses que o eleito terá que administrar e representar.

Faltou falar nos eleitores. Para ter o direito de votar nestas eleições, cada usuário interessado, foi voluntário, cadastrando-se no ICANN como "at large member". Para este cadastramento era necessário um endereço de e-mail e um endereço físico. Para muitos pode parecer um contra-senso, uma entidade de Internet pedir um endereço físico válido, mas se explica.

A segurança em torno desta votação, que se dará pela Web, é algo levado muito a sério. As questões que se colocam, são do tipo: como evitar a captura de uma vaga por uma empresa; como assegurar que o eleitor existe de fato e não é um mero e-mail gratuito; como assegurar uma ampla participação. As respostas a estas questões não são simples.

As soluções adotadas não agradam a todos, mas isso é impossível, não é mesmo. O que os encarregados delas propuseram foi o cadastramento com endereço físico, onde cada cadastrado recebeu uma senha via e-mail. Pelos correios recebeu um "pin number". De posse dos dois, o eleitor deveria voltar a página do ICANN e validar seu cadastramento ativando sua inscrição com o uso da senha e do "pin number".

Como pode ser visto, não foram procedimentos triviais, pois além do conhecimento necessário - com muitos não acharam difícil - havia a barreira da língua. As páginas estavam em inglês e algumas foram traduzidas para outros idiomas, português inclusive, mas a qualidade desta tradução era sofrível. As cartas encaminhando o "pin number" e o texto do e-mail com a senha eram, invariavelmente, em inglês. Além de gerarem muitos protestos, geraram uma série de inconvenientes para os usuários que não tinham domínio do idioma.

Problemas e críticas à parte, não podemos deixar de reconhecer que esta é, sem dúvida, uma bela amostragem que servirá de experiência no exercício da tal democracia participativa que sempre exerceu um certo fascínio nos internautas. O ICANN ao adotar o modelo, que reconhecemos ainda imperfeito, dá um grande passo que esperamos ver seguido por outras instituições similares.

Para que não reste dúvidas, estou me referindo também ao Comitê Gestor da Internet do Brasil, ao qual tenho a honra de pertencer. Seus Conselheiros acompanham com muito interesse estas eleições por dois motivos: o primeiro, pela candidatura de nosso colega Ivan Moura Campos, patriotadas à parte, um dos mais bem preparados dentre os cinco candidatos. O segundo motivo, é conhecer as virtudes e defeitos do modelo para propor a sua adoção na próxima composição do CG.