Fórum da Internet no Brasil resgata legado da Eco92 e discute desafios da governança digital e ambiental


29 MAI 2025



Conferência da ONU foi lembrada não apenas como marco para a defesa do meio ambiente, mas como propulsora do modelo multissetorial de governança da Internet adotado no país

A segunda sessão principal do 15º Fórum da Internet no Brasil (FIB15), proposta pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br), trouxe para o centro das reflexões os caminhos percorridos desde a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Eco 92) e os desafios contemporâneos da governança digital e ambiental. Intitulada “O legado da Eco 92: meio ambiente, tecnologias e governança”, a mesa foi realizada na tarde desta quarta-feira (28), em Salvador, com especialistas de diferentes setores para debater a convergência entre sustentabilidade, tecnologias emergentes e impacto socioambiental.

Realizada no Rio de Janeiro há mais de três décadas, a Eco 92 foi um ponto de mudança nas negociações globais sobre meio ambiente. A partir dela nasceu a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (UNFCCC), que pavimentou o caminho para acordos internacionais como o Protocolo de Kyoto e o Acordo de Paris. O legado histórico do evento, no entanto, vai muito além do ambiental, apontou ainda caminhos para discussões críticas sobre modelos de governança global, que, atualmente, conectam-se diretamente aos desafios da regulação da Internet.

Dividido em dois momentos, o painel abordou, inicialmente, o contexto histórico e os principais marcos da Eco 92. Em seguida, as discussões se voltaram para o futuro, com destaque para o papel das tecnologias digitais na construção de modelos de governança mais inclusivos e sustentáveis. O evento foi lembrado não apenas como marco ambiental, mas também como propulsor de mudanças estruturais na forma de pensar políticas públicas e articulações internacionais. A mediação da mesa ficou a cargo de Bianca Kremer, conselheira do CGI.br e representante do Terceiro Setor, que conduziu uma conversa marcada por diversidade de vozes e perspectivas.

O diálogo foi iniciado por Carlos Alberto Afonso, do Instituto Nupef, que esteve na conferência de 1992 e atuou como coordenador do projeto de Internet junto a Association for Progressive Communications (APC) e ONU. Segundo ele, um dos mais importantes legados da Eco 92 para o Brasil foi permitir a implantação de sistema de rede de Internet. Um desafio que só foi possível graças ao fato de terem conseguido inserir, nas exigências para a realização da conferência, a conexão entre os polos de discussão e atividades. À época, as operações de longa distância eram operadas exclusivamente pela Embratel, que era contra a ativação de circuitos usando protocolos da Internet.

“O projeto só foi possível, porque nós conseguimos introduzir a proposta de rede de Internet no acordo de sede oficial entre o Brasil e a ONU. O sucesso desse projeto levou a APC a realizar projetos semelhantes em conferências da ONU. Em 1993, a Conferência Mundial sobre Direitos Humanos em Viena. Em 1994, a Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento no Cairo. Em 1995, a Conferência Mundial sobre Mulheres e Desenvolvimento em Beijing, com a participação da equipe do Ibase [Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas]. O projeto da Internet da Eco 92 foi um marco fundamental da Internet brasileira, o que quebrou resistências governamentais e a abertura de conexões de Internet permanente para a RNP [Rede Nacional de Ensino e Pesquisa] no país. Foi assim que foram ativados, finalmente, os dois primeiros canais permanentes de altíssima velocidade”, relembrou Afonso.

A Eco 92 foi a primeira conferência da ONU a promover essa participação ampla, em grande parte como resposta às demandas internacionais e dos setores não governamentais. A estrutura de redes conectada à Internet permitiu a divulgação, troca e gestão de informações nos principais espaços da conferência.

Modelo multissetorial
Everton Frask Lucero, do Itamaraty, destacou que a realização da Eco 92 no Brasil funcionou como o evento propulsor do modelo multissetorial da governança da Internet no país. “Pouco tempo depois, em 1995, nasce o Comitê Gestor, o CGI.br, primeiro organismo a adotar de forma institucionalizada o modelo multissetorial. Ainda que com uma base institucional frágil, pois estava amparado em apenas uma Portaria interministerial, o CGI.br foi estruturado com representante do governo, da academia, da comunidade técnica, da sociedade civil e do setor empresarial, uma estrutura singular que confere legitimidade à governança da Internet no Brasil”.

Daniely Freire, head de clima do Pacto Global, lembrou que a conferência de 1992 também foi ponto de partida para outras agendas ambientais, como as conferências bianuais de combate à desertificação e de biodiversidade. Em um segundo momento de fala, Freire ressaltou os desafios postos com a possibilidade de instalação no Brasil de data centers ligados a grandes nomes da tecnologia. Há aí uma discussão sobre a preservação dos recursos naturais.

“Várias grandes big techs estão tirando a sua meta net zero. Com o uso indiscriminado da inteligência artificial, não é possível mais as big techs atingirem o net zero como era previsto. É um tema sensível, mas eu, como engenheira, e uma opinião bem pessoal, olho com bons olhos. Acredito que o Brasil tem potencial, porque tem uma matriz energética que pode receber, mas tem também que olhar com a transversalidade necessária entre meio ambiente e socioeconômico.

Desenvolvimento tecnológico e impacto socioambiental
Já Diosmar Filho, da Associação de Pesquisa Iyaleta, enfatizou o valor simbólico e político da Carta da Terra, documento formulado durante a Eco 92. A carta aborda temas como direitos humanos, democracia, diversidade, desenvolvimento econômico e sustentável, erradicação da pobreza e paz mundial. “É um chamado para o cuidado com o planeta Terra. Quando esse painel se propõe a trazer as memórias da Eco 92, as memórias também são de como vamos construindo os espaços. Quando estamos falando de Internet, estamos falando de algo espacial. Não tem sistema de fronteiras, mas tem fronteiras criadas dentro dela para que nem todo mundo tenha acesso a essa trajetória”, disse.

Sobre perspectivas futuras no setor, ela apontou a governança climática e o multissetorialismo, como marcos da agenda global. “O mundo é digital, não se pega, mas precisamos dessas estruturas para cumprir essa função, então, não existe essa expansão sem novos minérios, sem criar baterias, fóssil, nuclear ou hídrica, ou eólica. Como vamos trazer a governança da Internet para a governança climática?”, questionou.

Terezinha Alves Brito, da C-Partes, encerrou a primeira parte do painel com um agradecimento ao CGI.br por trazer à arena principal do evento um debate tão urgente e sensível. A painelista, que cresceu no interior do Pará, no entanto, deixou uma provocação. “É muito importante pensar o legado da Eco 92 a partir da percepção de que o multissetorialismo não é só positivo, mas também necessário. Mas é preciso se perguntar por que, apesar de ter reconhecido isso e ter um espaço no sistema de governança da Internet no Brasil, ainda não termos conseguido tratar do tema ambiental com toda seriedade que ele merece”.

Acrescentou ainda que, pensar perspectivas futuras, passa necessariamente por reconhecer e entender, como país, o poder que temos enquanto mercado consumidor global e de tecnologias. “Nós temos recursos hídricos e energéticos para suprir essa nova era das transformações digitais. Mas faço um apelo por mais transparência. Se não há informações, a sociedade civil e a academia ficam de mãos atadas. Esse apagão de informação é estratégico”, complementou.

A vereadora de Salvador, ativista ambiental e quilombola, Eliete Paraguassu, também convidada para a mesa, somou-se ao debate sobre as perspectivas futuras e destacou a importância de as discussões sobre a governança da Internet e ambiental também incluir as populações originárias, como quilombolas, indígenas e comunidades ribeirinhas. “Essa ferramenta também precisa estar na governança daqueles que são os guardiões e guardiãs do Brasil. Mas a verdade é que esse espaço continua longe de alcançar os territórios que guardam a natureza. A COP30 vai ser também um espaço de denúncia”, apontou.

Em novembro deste ano, o Brasil voltará a ser a capital mundial das discussões sobre o futuro climático e ambiental do mundo. O país sediará a 30ª Conferência da ONU sobre Mudanças Climáticas (COP30), a ser realizada em Belém (PA).

Programação
A programação da 15ª edição do Fórum da Internet do Brasil desta quarta-feira também contou com os seguintes painéis:

* Hackeando o futuro: educação popular e novas tecnologias no empoderamento de periferias
* Doutor, meu filho tá viciado em internet, e agora?
* Opacidade ambiental e o desastre ecológico por trás do desenvolvimento da Inteligência Artificial
* Idade certa, acesso seguro: verificação e estimação etária no desenho de uma internet para crianças
* TICs voltadas para o ensino de línguas indígenas
* BNCC computação e cultura digital: caminhos para uma educação digital crítica e responsável
* Para além das muralhas: vigilância urbana e direitos civis
* Sai desse celular! Impactos da internet na construção da identidade de crianças e adolescentes
* Da Starlink ao Google Earth: o papel dos satélites na Amazônia
* Inteligência artificial: cultura, educação e interesse público - UFBA/Digitalia/Coordenação Local FIB15

Foram realizados ainda o Encontro Anual do Programa Alumni da Escola de Governança da Internet - EGI e o lançamento do livro: "Economia Política de Dados e Soberania Digital: Conceitos, Desafios e Experiências no Mundo".

Sobre o Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR – NIC.br
O Núcleo de Informação e Coordenação do Ponto BR — NIC.br (https://nic.br/) é uma entidade civil de direito privado e sem fins de lucro, encarregada da operação do domínio .br, bem como da distribuição de números IP e do registro de Sistemas Autônomos no País. O NIC.br implementa as decisões e projetos do Comitê Gestor da Internet no Brasil - CGI.br desde 2005, e todos os recursos arrecadados provêm de suas atividades que são de natureza eminentemente privada. Conduz ações e projetos que trazem benefícios à infraestrutura da Internet no Brasil. Do NIC.br fazem parte:  Registro.br (https://registro.br/), CERT.br (https://cert.br/), Ceptro.br (https://ceptro.br/), Cetic.br (https://cetic.br/), IX.br (https://ix.br/) e Ceweb.br (https://ceweb.br/), além de projetos como Internetsegura.br (https://internetsegura.br/) e Portal de Boas Práticas para Internet no Brasil (https://bcp.nic.br/). Abriga ainda o escritório do W3C Chapter São Paulo (https://w3c.br/).

Sobre o Comitê Gestor da Internet no Brasil – CGI.br
O Comitê Gestor da Internet no Brasil, responsável por estabelecer diretrizes estratégicas relacionadas ao uso e desenvolvimento da Internet no Brasil, coordena e integra todas as iniciativas de serviços Internet no País, promovendo a qualidade técnica, a inovação e a disseminação dos serviços ofertados. Com base nos princípios do multissetorialismo e transparência, o CGI.br representa um modelo de governança da Internet democrático, elogiado internacionalmente, em que todos os setores da sociedade são partícipes de forma equânime de suas decisões. Uma de suas formulações são os 10 Princípios para a Governança e Uso da Internet (https://cgi.br/resolucoes/documento/2009/003). Mais informações em https://cgi.br/.