Dúvidas e Reflexões sobre a Internet.br


01 JAN 1998



por Raphael Mandarino
Secretário Executivo do Comitê Gestor Internet Brasil e presidente da Sucesu-nacional

Tenho estado diretamente envolvido nos últimos três anos com os assuntos da Internet no Brasil, seja integrando, honrado, o Comitê Gestor da Internet/Brasil - CG, desde 25 de agosto de 1997, como representante dos usuários; seja como Presidente da SUCESU - Sociedade dos Usuários de Informática e Telecomunicações; seja como usuário; ou como profissional. Assim, com a oportunidade de lidar diariamente com os mais variados assuntos ligados ao uso da Internet ou sua gestão, desenvolvi uma série de certezas e dúvidas que divido agora com vocês.

O domínio .br fez 10 anos e é uma data a comemorar, pois sua própria existência demonstra a maturidade que o país chegou e seu posicionamento frente a última (me arriscaria a dizer "a derradeira") tecnologia surgida no século XX - a Internet. Seu surgimento, sem dúvidas, quebrou os paradigmas vigentes por todos os lados.

Sentiram os seus efeitos: os relacionamentos interpessoais que sofreram uma grande transformação com o "e-mail" e "chats"; os negócios do comércio com suas "Home Pages", explorando possibilidades de atingir clientes nunca antes imaginados; os processos industriais com as "Intranets" e "Extranets", permitindo integração entre Unidades e Fornecedores distantes, otimizando processos. Na educação, a pesquisa e a construção do conhecimento em todas as áreas e mais especificamente a sua transmissão, foram das aplicações pioneiras que mais frutos renderam até então. Esta lista poderia continuar por um longo tempo, como matemático busco sempre a concisão. Proponho, portanto o axioma reducionista de que: a Internet quebra os paradigmas existentes, reconstruindo o próprio modo de vida da humanidade.

A existência do domínio .br e a própria Internet Brasil - em que pese algumas participações individuais e especiais, (alo CG temos que fazer este reconhecimento público) - deve-se, desde os seus primórdios, ao esforço quase que exclusivo dos meios acadêmicos. Politicamente devemos a iniciativa conjunta dos Ministros Sérgio Motta e Israel Vargas em junho de 1995, que entendendo a importância da Internet para o país, não tiveram receio de enfrentar o então poderoso lobby do sistema Telebrás (será que acabou mesmo?). Por aí iniciaram a quebra do pouco inteligente monopólio das telecomunicações que vigorava intransigente, permitindo, assim, que a iniciativa privada participasse do processo através do provimento do acesso discado. Esta corajosa e oportuna decisão nos deu as condições invejáveis que hoje ocupamos no mundo quando comparados a outros países, quanto a número de domínios, hosts, provedores de acesso e usuários plugados (para detalhes ver http//www.fapesp.br ).

O crescimento da Internet no Brasil é surpreendente e as aplicações tornam-se referencia e objeto de estudos como a entrega do Imposto de Renda via Internet, para ficar no exemplo mais criativo e famoso.

Vale cita alguns números. Segundo pesquisa do IBOPE (para detalhes ver http//www.ibope.com.br ) somos mais de 2,5 milhões de usuários (projetados) e que entre os 15.115 entrevistados na 3a pesquisa CADE/IBOPE, os que nunca tiveram Internet em casa mas gostariam de ter e para os que já tiveram e cancelaram o serviço, 55% pretendem contratar futuramente. Isso demonstra claramente a demanda existente e que aponta para a tendência que verificamos a todos os dias no crescimento do uso da Internet no país.

Confirma-se também na pesquisa que os maiores usuários enquadram-se em uma das seguintes concentrações: ou na faixa etária de 15 a 24 anos, ou trabalham no mercado formal, ou tem curso superior. Sempre pertencem às classes A e B, ou seja, a Internet é hoje, o melhor corte na faixa de consumidores que se pode estratificar de uma mídia, pois se fala diretamente com quem detém os melhores índices de poder de compra.

Quanto ao uso, estes usuários conectam-se à rede em sua grande maioria de suas casas para consultas as Home Pages e valem-se da Internet para troca de correios eletrônicos.

Apesar de inúmeras experiências exitosas como representante dos usuários, algumas preocupações sempre me assaltam quanto ao futuro da Internet no País. Nos contatos que mantenho nos mais diversos Estados, tenho oportunidade de verificar que não estou sozinho nestas dúvidas. Nós usuários que, em ultima análise sempre pagamos as contas, gostaríamos de ver debatidos temas que irão, em um futuro muito próximo, estar impactando, positiva ou negativamente o uso da Internet no Brasil dependo dos caminhos que escolhamos seguir. A lista a seguir não pretende esgotar todos os temas sobre o assunto, mas sim, ao expo-los esperamos fomentar o início de um debate, que deve ser público e amplamente conhecido, renunciando-se desde já às decisões tomadas em inacessíveis salas climatizadas e acarpetadas.

Acesso via TV a cabo - Temos aqui um teste sendo realizado sob os auspícios da ANATEL, que aceitando participações voluntárias está estudando todas as implicações práticas do uso das redes físicas de TV a cabo para trafegar sinais da Internet. O problema é uma queda de braço entre provedores de acesso, que querem que a rede física seja disponibilizada para utilização por qualquer empresa que se disponha a pagar por este uso e que os custos deste uso seja público e conhecido. Querem ainda que as empresas donas da infra-estrutura só possam prover acesso se forem obrigadas a constituir uma nova empresa subsidiária para este fim específico. Por outro lado temos as empresas operadoras do serviço de TV por assinaturas que pretendem explorar sozinhas, sem dividir com ninguém este nicho de mercado. Há, ainda, em um terceiro lado, as empresas fornecedoras dos equipamentos que permitem o acesso a Rede, querendo que o fornecimento dos "cable modems" seja normatizado permitindo que qualquer usuário possa escolher a marca de sua preferencia. Só para ilustrar o "embroglio", esta última proposta conta com total apoio dos provedores de acesso. Sobre esta hipótese, as empresas de TV por assinatura não querem nem ouvir falar. Está instalada a confusão, esperamos bom senso quando da decisão. Nós Usuários queremos liberdade de escolha e competição ampla. Este é um serviço caro, que custa nos Estados Unidos em média US$ 70 por mês. Entretanto vale notar que pagar a mais por um diferencial de qualidade e velocidade de acesso (em média, 35 vezes mais rápido) dilui este custo tornando-o atrativo, se comparado ao custo da conexão que o usuário é obrigado a pagar para executar a mesma tarefa - custo do provedor mais tarifa telefônica.

ICMS sobre Provimento de acesso - A Sanha arrecadadora da máquina governamental identificou no provimento de acesso a Internet mais uma possibilidade de abastecer seus combalidos cofres. Nós já pagamos uma das mais altas tarifas telefônicas as quais já são acrescidos 25 % de ICMS. Cobrar ICMS do Provimento do acesso tentando entende-lo e, portanto enquadra-lo como serviço de telecomunicações é inconstitucional já que teríamos explicita uma bi-tributação. Alem do que provimento de acesso é serviço de valor adicionado ao serviço de telecomunicações, onde mais uma vez fica claro que não cabe cobrança de ICMS. Em tempo, todos os provedores de acesso já pagam ISS.

Internet via Rede Elétrica - Apesar de ainda não ser viável comercialmente já é perfeitamente possível transmitir dados pela rede elétrica. Existem várias experiências sendo realizadas em todo o mundo e aqui no Brasil. Conheço a experiência da Universidade Federal do Paraná que já conseguiu alguns animadores progressos baseados na tecnologia desenvolvida pela empresa Intellon Corporation. A motivação por traz do uso da rede elétrica para transmissão de dados está na capilaridade desta rede que chega a grande maioria das casas ao contrário da rede telefônica que ainda é um artigo considerado de alto luxo em muitas residências no Brasil. Os usuários esperam que os vários personagens desta modalidade de acesso, sejam industrias ou agencias fiscalizadoras preparem-se, o quanto antes para que a necessária regulamentação não seja um empecilho quando esta modalidade de acesso se tornar viável, uma vez que o assunto é por demais polêmico e sobrepõem interesses de duas grandes indústrias: Energia Elétrica e Telecomunicações.

Tarifa Plana - Neste caso o que gostaríamos de ver discutido é a questão de tarifas. (Mantenho a discussão aqui, apenas nas linhas de transmissão de dados, porque se formos falar de telefonia convencional ou celular teríamos que ter o dobro do espaço da revista só para os problemas.).

Passada a festa da privatização e os discursos entusiásticos, ainda não sentimos nos bolsos a redução dos preços das tarifas telefônicas, e já falam em novos aumentos. Mudaram as regras, mas não mudaram as cabeças. Para falar a verdade, ainda não vimos melhoria significativa na qualidade das linhas de transmissão de dados e muito menos na sua disponibilização. Continuamos reféns da Embratel ou da MCI, que pratica em conjunto com as empresas Teles locais, preços muito altos comparados aos padrões internacionais e cujo atendimento permanece exatamente igual ao que era prestado antes da privatização - e isso não é um elogio! Estamos convidando os atores do problema para debater este assunto de tarifa e propor soluções viáveis e inteligentes. No tocante a Internet, assunto deste artigo, porque não um prefixo do tipo 0800 colocado a disposição dos provedores de acesso com tarifas reduzidas. Onde está a redução de tarifas para as escolas e Universidades, o que nos leva ao próximo tema.

Democratização do Acesso - Temos hoje sendo atendidos por provedores de acesso apenas cerca de 300 municípios dos mais de 5.500 existentes no Brasil. Sei que em muitos deles falta à própria linha telefônica que dirá acesso a Internet. Tenho defendido que a Internet é a verdadeira janela de oportunidade a qual os economistas se referem, meio para que o Brasil possa alcançar seu lugar dentre os países desenvolvidos e socialmente mais justos. Porque não juntar os esforços das várias iniciativas federais de utilização da informática pelos municípios, que tratam desde Informatização nas Escolas, passando pela Administração Fiscal dos Municípios e pela Interconexão entre as Câmaras Legislativas e Assembléias chegando ao voto eletrônico em benefício do cidadão (ver Home Pages dos Ministérios da Educação, Fazenda, Senado Federal e Tribunal Superior Eleitoral e dos Programas Proinfo, PNAFEM, Interlegis, etc.).

Se cada escola que está recebendo computadores e antenas parabólicas do MEC, por exemplo, pudesse, fora do horário de utilização docente, tornar-se provedora de acesso à Internet para aquela comunidade, os benefícios da grande rede chegariam mais rapidamente, gerando novas oportunidades. Este exemplo poderia ser multiplicado pelas Prefeituras e por cada computador instalado nas centenas Zonas Eleitorais que processam a apuração remota dos votos eletrônicos. Com criatividade é possível realizar um esforço para a universalização do acesso a Internet e por extensão, abrir uma porta para o mundo às pequenas comunidades.

De onde viria o dinheiro? Do Fundo de Universalização das Telecomunicações, afinal, o dinheiro já existe, ou não?

Não estou sendo simplista a ponto de afirmar que estas ações são de fácil implementação, mas com certeza, com vontade e determinação política...

Internet 2 - Várias fotografias foram tiradas e artigos escritos sobre a entrada de dezenas de municípios que aderiram como parceiros das Universidades e de órgãos de fomento federais ao projeto de uma rede acadêmica de alta velocidadePassada a festa, poucos projetos foram adiante. Gostaríamos que este assunto saísse do campus e fosse discutido de público de modo que todos nos possamos conhecer as experiências que seguiram em frente e que somam esforços para que o País esteja em condições de acompanhar a evolução da Internet.

Encerro afirmando que nos usuários queremos:

1. Tecnologia de ponta, par e passo com o que mais moderno está à disposição dos usuários em países de maior capacidade econômica, não importando se fabricado em São Paulo, Manaus ou Singapura;

2. Preços competitivos, semelhantes aos praticados em outros países mais desenvolvidos, e que a incidência de impostos seja justa;

3. Qualidade no suporte pré e pós-venda e legislação que garanta a defesa do usuário em qualquer situação;

4.Que a competição justa entre as empresas do setor seja assegurada.