Censura na Internet
Autor: Prof. Dr. Silvio Meira
Uma das características mais atraentes da Internet - a liberdade de comunicação - está ameaçada. Desde o mês passado, nove juizes da Suprema Corte de Justiça dos Estados Unidos estão julgando o caso Reno X União das Liberdades Civis Americanas, um processo no qual o governo dos EUA pretende impor à rede o mecanismo mais criticado pelos próprios americanos: a censura.
O governo argumenta que a rede é um canal aberto à pornografia e que é preciso existir algum tipo de limite para evitar que as crianças tenham acesso a esse material. O documento que serve como base para o caso é o Ato de Decência nas Comunicações, votado no ano passado pelo Congresso e que determina a aplicação de multa de até U$ 100 mil e, no máximo, dois anos de prisão para aquele que "exibir material indecente na Internet ou viabilizar o acesso de pessoas menores de 18 anos ao material pornográfico disponível em uma rede interativa de computadores".
Para essa preocupação do governo, o próprio mercado de software já oferece a solução. Hoje, já existem várias formas de impedir o acesso a determinados websites da Internet, locais onde ficam armazenadas informações. Através de senhas, sistemas de proteção impedem por completo a visualização de sites que contém pornografia. Além disso, como a pornografia já é considerada ilegal nos EUA, há também uma grande preocupação por parte daqueles que disponibilizam páginas na rede com esse tipo de material. Em algumas delas, o adulto tem que pagar uma taxa anual de acesso, além de ter que provar que é maior de 18 anos.
Outro ponto que deve ser levado em conta é a própria definição do que é material "indecente e ofensivo". A Internet está repleta de informações de mérito científico que podem servir, inclusive, como fontes de informação valiosas para crianças e adolescentes. Há, por exemplo, páginas sobre doenças sexualmente transmissíveis que, normalmente, vêm acompanhadas de fotos de homens e mulheres nus. No caso do tema "puberdade", é comum haver fotografias de órgãos sexuais. Neste caso, como seria feita a diferenciação entre o que é ou não pornográfico? Os responsáveis por esta definição entrariam numa verdadeira caça às bruxas.
Um outro argumento utilizado pela procuradora geral Janet Reno é que a intenção do governo é de "garantir a liberdade de expressão na rede" porque a pornografia impede que pais - usuários em potencial - possam exercitar este direito, já que às vezes, eles preferem não acessar a Internet para evitar que os filhos também o façam. A afirmativa é, de certa forma, contraditória. Basta lembrar que o primeiro artigo da Constituição norte-americana, que garante a liberdade de expressão, permite que este tipo de material circule livremente nas livrarias dos Estados Unidos. Na verdade, ao dizer que está tentando proteger os pais, o governo tira deles o direito de escolher a que tipo de informação seus filhos podem ter acesso.
A iniciativa deixa espaço também para um outro questionamento: se a circulação de material na rede ficar à mercê do que for apropriado para crianças, como fica o interesse dos adultos? Isso sem falar no lado ético já que o Ato de Decência nas Comunicações dá poderes aos servidores de acesso à Internet de exercitarem a censura também sobre troca de mensagens, fóruns de debate abertos e listas de correio. Isso significa que qualquer comunicação, por mais confidencial e particular que seja, passe por uma espécie de "grampo" porque em muitos casos, a conversa é similar àquela feita através do telefone, utilizando inclusive, o mesmo meio físico.
Felizmente, o Ato tem encontrado rejeição dentro do próprio Estados Unidos. O governo já foi derrotado duas vezes em instâncias inferiores, uma em Manhattan e outra na Filadélfia. Nos dois casos, o documento foi considerado inconstitucional. Por outro lado, no caso Reno X União das Liberdades Civis Americanas, há uma preocupação adicional: o total despreparo dos juizes para lidarem com a matéria. Dos nove, nenhum é usuário regular da Internet. Oito possuem computador em seus escritórios, mas eles não são conectados à rede por questões de segurança, e um deles, David H. Souter, sequer tem um à sua mesa.
A reação dos cibernéticos na Internet também tem crescido bastante. Hoje, uma das quatro páginas mais visitadas da World Wide Web é a da Campanha da Fita Azul (http://www.eff.org/br/) que lança uma campanha contra a tentativa do governo censurar a Internet. Outra demonstração de desagrado é o luto nas homepages. Alguns usuários mudaram a cor de fundo de suas páginas para o preto, utilizando a cor como um instrumento visual de crítica à censura.
É preciso que usuários de todo o mundo se preocupem com o assunto e demonstrem, de alguma forma, sua opinião sobre o caso que hoje está sendo julgado nos EUA, até porque a Internet não pertence aos Estados Unidos. Hoje, mais de 150 países estão interligados à rede e esses milhões de usuários não podem ser regulamentados por uma lei norte-americana. Ao propor regulamentação na Internet, o g overno dos EUA não só retira os direitos garantidos pela Constituição daquele país, mas, principalmente, ameaça a própria existência da rede. E isso afeta todos nós.