Seminário do CGI.br reuniu especialistas para discutir propostas de enfrentamento à desinformação na Internet


09 AGO 2019



Evento contou com a participação de pesquisadores nacionais e internacionais, representantes da sociedade civil, do setor privado e agentes públicos


Debater os impactos da desinformação sobre o exercício democrático em períodos eleitorais e examinar possíveis ações que podem ser tomadas para o combate às notícias falsas foram os temas do Seminário Internet, Desinformação e Democracia, promovido pelo Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) no dia 24 de julho, em São Paulo. Participaram do evento pesquisadores nacionais e internacionais, representantes da sociedade civil, do setor privado e agentes públicos.

Thiago Tavares (conselheiro do CGI.br e presidente da SaferNet Brasil) abriu o evento destacando que a desinformação não está restrita aos processos eleitorais e à dimensão política, implicando também em riscos à saúde, à defesa e à segurança. Tavares salientou que “a desordem informacional produz efeitos nefastos para a sociedade, além da ameaça à democracia e às instituições. Como exemplo citou a intolerância que alimenta a polarização, recrudesce as relações sociais e ataca a diversidade em suas múltiplas dimensões.” Tavares também lembrou que propostas de combate ao fenômeno da desinformação devem respeitar princípios como a liberdade, privacidade e direitos humanos, fundamentais para a preservação de uma sociedade justa e democrática. “A governança da Internet deve ser exercida de forma transparente, multissetorial e democrática, com a participação de vários setores da sociedade, preservando e estimulando seu caráter de criação coletiva”, enfatizou.

O primeiro painel do encontro, “Desordem Informacional e Política”, teve como convidada especial a professora e pesquisadora responsável pela produção do relatório sobre desinformação da Comissão Europeia, Madeleine de Cock Buning. Em sua apresentação Madeleine ressaltou que a desinformação é um problema multifacetado que requer uma abordagem multidimensional. A especialista listou cinco pilares que constam do relatório da Comissão Europeia para o combate à desinformação: proteger a diversidade e sustentabilidade do ecossistema midiático; promover informações para pessoas de todas as idades; desenvolver ferramentas para fortalecer os usuários de Internet e jornalistas no âmbito on-line; e assegurar a transparência do ecossistema midiático on-line, tornando a Internet mais forte e segura para todos.

Além disso, citou uma Pesquisa da Oxford Reuters que trata do papel da imprensa na sociedade. “A pesquisa indica que 85% dos brasileiros não tem certeza se o que eles leem na mídia on-line está correto. Esse resultado pode ser interpretado como uma descrença geral da sociedade brasileira na imprensa, que é um pilar fundamental para a democracia. É algo que precisa ser trabalhado, pois é de extrema importância que a mídia desempenhe o seu papel", pontuou a professora.

Outro tema de destaque, a economia de dados e participação política na sociedade interconectada também esteve em discussão. Marcos Dantas (conselheiro do CGI.br e professor na UFRJ) ressaltou que a Internet se tornou um espaço de conflitos políticos, sociais e culturais próprios de sociedades de classes e culturas diferentes, assim como um espaço para o crescimento econômico. “Acordamos e dormimos na Internet, assim como acordamos e dormimos na cidade. E assim como a cidade, a Internet também precisa de leis e regras, para evitar ser um lugar de propagação de ódio, discriminação, violência e lucro fácil do capital financeiro”, acrescentou.

De forma complementar, Rafael Evangelista (professor da Unicamp) chamou atenção para as consequências da economia de dados. “Imaginávamos que a Internet poderia ser um atalho para se resolver o problema da concentração dos meios de comunicação, permitindo que todos tivessem voz e se expressassem. Achávamos que a Internet seria capaz de trazer democracia para os meios de comunicação. Porém, o que vimos foi a emergência de uma concentração ainda maior, em poder de novos atores que surgiram a partir da segunda metade da década de 1990. Além disso, a Internet evoluiu de forma a recompensar o fluxo indistinto de dados, fazendo com que os algoritmos das plataformas digitais radicalizem, progressivamente, suas sugestões de conteúdo, instigando a desinformação, fazendo com que surja o ‘empreendedorismo do ódio’”.

Desafios eleitorais

No terceiro e último painel do Seminário, os desafios eleitorais no Brasil foram discutidos por Flávia Lefèvre (conselheira do CGI.br), que ressaltou a importância de debates sobre a propagação de desinformação on-line, em especial nas redes sociais. Flávia destacou também que, de acordo com a pesquisa TIC Domicílios, do Cetic.br, 83% dos usuários conectados das classes D e E só acessam a Internet por dispositivos móveis e, na classe C, esse número chega a 53%. “Esses dados são importantes pois revelam o poder de alcance que empresas privadas podem ter nestes usuários, com posse de seus dados pessoais e sobre fluxos de informação”. “Das 120 milhões de linhas de celular contratadas”, comenta Lefèvre, “100 milhões operam no sistema pré-pago, no sistema de franquia de dados, e ao final dessas franquias, as pessoas só têm acesso ao Facebook e WhatsApp. Não à toa, o WhatsApp foi usado para fomentar campanhas de desinformação em períodos de eleição, impactando um número enorme de pessoas. Ou seja, é necessária a atuação das autoridades competentes quanto à concentração do mercado de aplicativos para a Internet nas mãos de poucas e poderosas empresas, que também concentram dados pessoais utilizando-os de forma questionável e impactado as instituições democráticas”.

Além da complexidade de interromper esse fluxo de desinformação, Henrique Neves (advogado e ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral) ressaltou a dificuldade de definição do que é falso e do que é desinformação pela legislação brasileira. Na avaliação do advogado, “a Justiça e legislação eleitoral deveriam cuidar exclusivamente de candidatos e partidos políticos, pois esses são os atores que fazem a eleição e disputam o poder”.

Durante o painel, João Brant (pesquisador associado no Observacom) ressaltou que as plataformas digitais precisam promover mudanças, principalmente durante o período eleitoral, para diminuir a divulgação de boatos e notícias falsas, como “alterar o padrão de identificação de autoria do WhatsApp, viabilizar a identificação de responsáveis por mensagens que violem as leis, dar visibilidade à quantidade de vezes que determinado conteúdo circula no WhatsApp, manter esforços de manutenção de integridade das plataformas, ampliar ações de transparência do impulsionamento de propaganda política em plataformas digitais”.

Já o gerente de Políticas do Facebook para eleições, Marcos Tourinho, destacou que a empresa busca proteger a integridade das eleições brasileiras e garantir que as pessoas possam se expressar no processo democrático. Por fim, Emerson Urizze Cervi (professor na UFPR) chamou atenção para “o fenômeno da aceitação da mentira pelo cidadão comum”. "Quanto mais desqualificadas estiverem as instituições de validação de conhecimento, mais fortes estarão os grupos primitivos, o populismo primitivo. Não devemos olhar apenas para o conteúdo, mas para aqueles que estão fazendo uso do conteúdo", afirmou.

Acesse as discussões do Seminário Internet, Desinformação e Democracia na íntegra na playlist disponibilizada no canal do NIC.br no YouTube: https://www.youtube.com/playlist?list=PLQq8-9yVHyOYSMk9fTG_aS1I5m8lyW2g4. Confira também as fotos do evento: https://www.flickr.com/photos/nicbr/albums/72157710114259557.