COMO COMBATER A DESINFORMAÇÃO NAS ELEIÇÕES

A preocupação frente aos impactos da desinformação sobre o exercício democrático no período eleitoral fomentou diversas propostas visando regular a publicidade e a comunicação on-line. A reforma eleitoral de 2017 tentou dar conta de algumas questões ao estabelecer regras para a propaganda política via Internet. Mesmo assim restam muitos desafios que envolvem a interpretação dessas normas e a compreensão dos limites do uso de mecanismos de direcionamento de conteúdos para influenciar as decisões do eleitorado.

O Judiciário, principalmente os Tribunais Eleitorais, tem um papel central nessa tarefa, já que muitos dos conceitos introduzidos na lei são novos e carecem de maior detalhamento. Do mesmo modo, as empresas de Internet que oferecem serviços de comunicação por meio de suas plataformas têm uma grande responsabilidade em garantir

espaços para um debate público saudável durante as eleições. É importante que todos os esforços por coibir a desinformação em todas as suas formas e proteger o exercício democrático durante as eleições — e para além dela — observem diretrizes que garantam a circulação livre de informações e ideias na rede.

O Comitê Gestor da Internet no Brasil (CGI.br) elencou algumas diretrizes junto a especialistas dos diversos setores — governamental, empresarial, terceiro setor e comunidade científica e tecnológica — e áreas do conhecimento. Seu objetivo é contribuir com o desenvolvimento da democracia no país e buscar um processo eleitoral transparente.

›› LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A liberdade de expressão envolve tanto o direito de candidatos expressarem suas ideias e propostas aos eleitores, quanto o direito dos cidadãos de terem acesso a informações e manifestarem suas opiniões e ideias livremente e pelos mais diversos meios durante o período eleitoral. Ela inclui discursos críticos, polêmicos, satíricos e opiniões minoritárias. A liberdade de expressão está na base da democracia, devendo ser protegida sobretudo no período eleitoral. Nem toda expressão política é propaganda e, ao se tentar coibir conteúdos on-line tidos como excessivos, deve haver muito cuidado para não afetar a expressão de outras pessoas pela rede.

›› PRIVACIDADE

Qualquer medida ou regulação para o combate às diversas formas de desinformação deve ter como princípio a proteção da privacidade.

Não se pode exigir que plataformas ou órgãos estatais monitorem as redes com o fim de identificar conteúdos potencialmente abusivos. Ao contrário, qualquer ação do Judiciário ou das plataformas deve fundamentar-se em denúncias específicas.

›› PROTEÇÃO DE DADOS PESSOAIS

As autoridades devem estar atentas a potenciais abusos no uso de dados pessoais dos eleitores para publicidade eleitoral direcionada. No caso das empresas de Internet, elas devem observar as regras existentes com relação à proteção desses dados e implementar medidas de segurança para impedir vazamentos. Também é muito importante que elas comuniquem claramente aos usuários os usos que podem ser feitos das informações coletadas durante a navegação e suas potenciais consequências.

›› OBSERVÂNCIA DO MARCO CIVIL DA INTERNET

É fundamental que no período eleitoral empresas e autoridades do Judiciário observem os princípios e garantias previstos no Marco Civil da Internet (Lei 12.965/2014), principalmente no que diz respeito à exigência de ordem judicial para a obrigatoriedade de retirada de conteúdos de terceiros por parte dos provedores de aplicações e às regras de segurança e proteção de dados dos usuários.

›› TRANSPARÊNCIA

Os cidadãos devem ter condições de distinguir claramente conteúdos opinativos, noticiosos e publicitários no ambiente on-line. Regras de transparência devem ser observadas por candidatos e empresas publicitárias, conforme prevê a legislação. Além disso, as empresas provedoras de aplicações de Internet têm também a responsabilidade de informar com clareza aos seus usuários quais conteúdos estão sendo exibidos devido ao pagamento por terceiros. Os chamados conteúdos pagos ou “impulsionados” devem ser devidamente identificados e deve haver informações claras sobre os mecanismos utilizados para o direcionamento de conteúdos. Isso é fundamental para que o eleitor saiba que há uma intencionalidade por trás de cada mensagem que recebe e possa fazer uma reflexão crítica sobre ela e, inclusive, sobre o porquê de receber determinadas informações e não outras.

›› MANUTENÇÃO DE UMA INTERNET LIVRE E ABERTA

A integridade da Internet é fundamental para que ela continue sendo uma rede de comunicação livre e aberta. Qualquer medida relacionada ao controle da propaganda política e da desinformação on-line deve ter como fundamento a manutenção de uma Internet aberta e global. O excesso de medidas de controle e uso de mecanismos para retirada de conteúdos e bloqueio de aplicações podem fragmentar a rede alterando sua natureza descentralizada, sem comando central, o que é fundamental para que ela continue oferecendo oportunidade de comunicação para seus usuários.

›› EDUCAÇÃO PARA OS MEIOS

Não existe fórmula mágica para o combate à desinformação. Identificar o que é ou não verdade é tarefa quase impossível, principalmente quando se trata de discursos políticos. Por mais que a indústria tenha conseguido automatizar a identificação de certos tipos de conteúdos compartilhados na rede (como a pornografia infantil), um algoritmo jamais poderá compreender a complexidade da comunicação e indicar notícias falsas sem cometer injustiças. Cada denúncia deve ser analisada em seu contexto específico, sob o risco de se censurar manifestações legítimas. A melhor receita para aumentar a qualidade dos debates políticos ainda é a educação e a conscientização da cidadania.