Que confusão!

tipo: Documentos
publicado em: 01 de setembro de 2001
por: Raphael Mandarino Jr.
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Falência, Unix x Windows, MP... Há muitas perguntas sem resposta

Raphael Mandarino
Presidente da Associação Nacional dos Usuários de Internet (Anui) e membro do Comitê Gestor da Internet no Brasil

Que confusão!

É provedor que abandona o mercado deixando um rastro de prejuízos aos usuários... É um edital malexplicado que deixa margens para dúvidas e questionamentos... É uma medida provisória polêmica que, após muitas vozes se levantarem contra ela, é modificada para pior. Enfim, é tanta coisa que precisamos ir devagar, por partes. Afinal são muitas as dúvidas. Quem sabe organizando as perguntas as respostas virão?

Sei que verei a espuma do ódio no canto da boca de alguns amigos. Sei que serei espinafrado por outros, mas há coisas que precisam ser ditas...

Abandono de mercado... - De repente, sem aviso, com um desfecho inesperado pelo inusitado, aconteceu aquilo que todos já sabíamos: o fechamento da PSInet. O inesperado fica por conta da forma arbitrária e irresponsável como a empresa desligou seus servidores e ficou esperando a morte - neste caso, a falência.

Chegando ao Brasil no auge da febre que abalou o mercado de acesso, a PSInet, vinda na onda da euforia dos IPOs e dos índices exponenciais da Nasdaq, apresentou de norte a sul do país propostas irrecusáveis de compra a alguns provedores nacionais que, percebendo não só a oportunidade como os ventos das mudanças no seu "business", saíram do negócio, vendendo seus ativos, passivos e carteira de clientes para estas empresas "chegantes".

Apesar das promessas de melhoria no atendimento nada aconteceu. Na verdade o que ocorreu foi a piora na qualidade dos serviços.

Se servir de consolo não foi só por aqui, não. Internacionalmente a PSInet destacou-se pela postura empresarial temerária, para dizer o mínimo. Basta ver o desempenho medíocre que levou, para ficarmos apenas em um exemplo, à falência da divisão do Chile, vendida em 14 de junho deste ano.

Em uma tentativa de salvar as aparências e que para mim ainda deveria ser melhor explicado, a PSInet reservou para si o filé mignon do mercado, os clientes corporativos, e inventou a Inter.net, para cuidar do osso. Esta ficou com as contas das pessoas físicas e de pequenas empresas que compunham a carteira de clientes. Talvez seja instrutivo a leitura do "release" da empresa divulgado na ocasião: www.psi.net/news/pr/01/mar2.html.

Mas o fato é que essa separação não era tão separada assim, pois bastou uma das empresas explodir para os clientes da outra sofrerem com a onda de choque. Ficamos fora da rede por dias e sem ter a quem recorrer.

Por uma questão de justiça devo dizer que quando procurei a direção da Inter.net, com a intenção de entender o que estava ocorrendo e tentar ajudar a resolver os problemas, fui, após alguma hesitação, bem atendido. Fui apresentado aos problemas e as dificuldades enfrentadas e juntos identificamos como eu poderia tentar ajudar.

A ajuda, na medida do possível, foi e vem sendo dada pelo pessoal técnico do Comitê Gestor agilizando alterações, desenvolvendo procedimentos e rodando scripts para automatizar o processo de mudança de endereços IP em domínios de clientes que foram pegos na explosão, fazendo-os apontar para servidores da Inter.net. O que me espanta é que, misteriosa e inexplicavelmente, apesar da tão propalada separação das empresas, aqueles domínios ainda estavam abrigados em servidores da finada PSInet. Vá entender.

Passado o período critico da crise, devemos agora buscar saber: quem vai pagar os prejuízos dos usuários? Onde estão e quem são os responsáveis pela PSInet e quais são suas responsabilidades? Se as empresas PSInet e Inter.net eram ou são mesmo independentes? São muitas as questões possíveis. O caminho para respondê-las é que me parece árduo, mas vamos buscá-lo. Sugestões?

Um edital estranho... - Não quero aqui entrar na discussão religiosa que separa em guerra santa de um lado os defensores do software livre (muitos dos quais pelos argumentos apresentados confundem software livre com software gratuito), e de outro os defensores do mercado livre.

Nesta briga, cujo título poderia ser Unix x Microsoft, há prós e contras para ambos os lados. Essa discussão está na mídia e não me parece possível dar novas contribuições. Desta leitura, conclui-se que na maioria dos casos o que temos são interesses econômicos e visões políticas contrariadas, revestidos de argumentos técnicos e sociais.

Mas não vou me furtar a um comentário pessoal - parodiando uma frase bastante conhecida sobre quem gosta de luxo e quem prefere a miséria. Quem gosta de Unix é acadêmico o povão gosta do Windows. É só olhar os números ao redor do mundo, procurar saber que softwares são usados nos servidores e micros dos partidos políticos, das organizações sociais e até das empresas cujos representantes participam mais acaloradamente desse confronto.

Radicalizar esta discussão não é inteligente. Vamos simplificar: os meninos destas escolas que serão (ainda espero) beneficiadas vão arrumar emprego no mundo real, e temos que ser pragmáticos, o mundo fora das universidades não usa software de código aberto. Aliás, ninguém deixou de ser brasileiro por aprender a datilografar/digitar em um teclado "qwerty" feito para adequar-se às peculiaridades da língua inglesa e adotado como norma no mundo todo.

O pior é que discussões politizadas (como esta) sobre boas idéias (como software livre, máquinas populares e universalização do acesso) podem ter um desfecho emocional/nacionalista, como aquele que nos levou à famigerada reserva de mercado. E nós, usuários, vamos ter que pagar a conta mais uma vez. Coincidência ou não muitos dos atores atuais desta discussão estiveram também no centro do palco naquela ocasião.

Mas o que quero chamar a atenção é que falar sobre a universalização de acesso é um discurso que cabe em todas as colorações políticas. A idéia do Fust ganha aplausos por todos os lados, com entusiasmos diferentes, é certo, mas ninguém se posiciona contra. Estudos sérios e profundos, envolvendo significativa e representativa parcela de todos os interessados, foram realizados e muito esforço foi despendido para se conceber uma estratégia, um projeto, que agradasse "a gregos, troianos e paraibanos".

Por que tudo isso foi posto por terra por uma "simples" especificação de edital?

Todos que já lidaram com as legislações de compras governamentais sabem que não é legal nem ético a especificação de marcas, até porque a legislação tem instrumentos próprios para isso quando necessário. Não cabe aqui o argumento que a Anatel ou as concessionárias não estão sujeitas a estas legislações. O dinheiro é público e o volume grande demais para ser tratado em norma interna.

Era muito fácil antecipar os problemas que surgiriam com a especificação explícita de marcas. Bastava apenas que as especificações fossem precisas sobre as necessidades buscadas para resguardar os interesses do poder público. Mas, enfim, a questão é por que um erro tão primário? A quem interessava prorrogar ao máximo a efetiva utilização dos recursos do Fust?

Se por um instante pensarmos que teremos um novo cenário político nos próximos meses com a necessidade de afastamento daqueles que irão concorrer a cargos eletivos e ainda que a não-utilização dos recursos ajuda muito no superávit do caixa do Tesouro, teremos duas boas razões para acreditar que, mais uma vez, a esquerda está sendo levada a fazer o jogo do governo. Paranóia?

Uma certa medida provisória... - Ninguém entendeu nada no recrudescimento da posição após a consulta pública da ICP-Brasil. Participei ainda há pouco de uma reunião entre empresas e organismos dedicados ao comércio eletrônico na América do Sul - presentes, representantes do Uruguai, Argentina, Brasil e Peru - onde estava claro que uma posição regional a respeito de reconhecimento de assinaturas e certificados digitais seria muito bem-vinda, pois fortaleceria e privilegiaria o aumento do comércio eletrônico na região.

Ao mesmo tempo ficou patente que a posição brasileira é esperada com ansiedade e preocupação. Ansiedade pelo tamanho e porte de nossa e-economia, preocupação pelo tipo de solução que vamos adotar. Na questão da língua, já somos uma ilha de português cercada de espanhol por todos os lados. Será que na certificação digital seremos um caso único no mundo?

Não resisto a um outra comparação saborosa. Há alguns anos presenciamos o nascimento de um movimento semelhante que buscava garantir um padrão brasileiro para agilizar decisões e reduzir custos de deslocamentos usando correio eletrônico, intercâmbio eletrônico de informação (EDI), intercâmbio de textos processáveis e formatados, etc. Internet? Não, o POSIG! O POSIG era o Perfil do modelo OSI adotado no Brasil pelo governo brasileiro, que sentiu necessidade de aumentar a interoperabilidade entre computador e sistemas homogêneos dos seus órgãos.

Também houve comitês próprios formados por superespecialistas, o Congresso envolveu-se junto ao Executivo e tivemos a publicação de leis e decretos criando o POSIG, etc. Muitos custos e de repente descobrimos um negócio chamado Internet que punha por terra todos os pressupostos de segurança e pioneirismo nacional.

Novamente vale o comentário que, coincidência ou não, muitos dos atores principais que estão atuando na linha de frente deste assunto estiveram também no centro do palco naquela ocasião.

Olhar para o passado, quase sempre nos ensina a planejar o futuro... que não se quer!